Entrevista a Catarina Furtado

“Precisamos de ter uma maior consciência das profundas desigualdades que existem.”

Nome: Catarina Furtado
Profissão: Comunicadora, atriz e autora
Outras funções: Embaixadora de Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA). Presidente e fundadora da ONGD – Associação Corações Com Coroa (CCC)
Naturalidade: Lisboa

Embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População, o UNFPA, há 17 anos, Catarina Furtado tem dedicado grande parte da sua vida e do seu trabalho a causas sociais e solidárias.  Em entrevista à ONU Portugal, a também apresentadora de televisão atriz, autora, ativista, mãe, entre muitas outras coisas, explica a sua ligação com as Nações Unidas, o trabalho que tem desenvolvido com o UNFPA nos últimos anos e partilha algumas das suas principais preocupações em algumas das grande áreas de atuação da ONU.

1. ONU Portugal: Quando e como começou esta relação tão próxima com as Nações Unidas?

Foi através de um convite que recebi do então Secretário Geral da ONU, Kofi annan no ano 2000, depois de por indicação da então Directora Executiva do UNFPA – Senhora Toraya Obaid,  ter sido entrevistada por um enviado  que veio a Portugal com o intuito de, através de contacto com a Associação para o Planeamento da Família, identificar a porta-voz portuguesa  para uma campanha mundial sobre saúde sexual e reprodutiva que aconteceu em 1998 e que se chamava Face to Face. Nessa longa tarde, abordámos vários temas, partilhei as minhas opiniões e inquietações cívicas.

Passados uns tempos, já em 2000, fui contactada novamente pela  Sra. Toraya Obaid  da UNFPA e nessa altura recebi então uma carta oficial de Kofi Annan a fazer o convite formal para abraçar esta missão voluntária e participar numa reunião de trabalho de Embaixadores de Boa Vontade e Mensageiros da Paz, que teve lugar na sede das Nações Unidas em 2001.

“Foi com enorme alegria e sentido de responsabilidade que vivi este momento. Cargo esse que tem sido renovado pelos sucessivos Diretores do UNFPA e Secretários-Gerais da ONU. Com o anterior SG Ban Ki moon, fui considerada uma das personalidades “Campeãs dos ODM”. Tem sido uma aprendizagem constante e um desafio diário.”

2. Quais são as suas principais responsabilidades enquanto embaixadora das Nações Unidas para o Fundo da População?

Efectivamente o que é esperado de nós é que ponhamos determinados assuntos nas agendas públicas e políticas no quadro do que é o Plano de Ação da CIPD e das conferências e compromissos que sucederam a esta importante conferência das Nações Unidas e mandato do UNFPA: igualdade de oportunidades e de género, as questões da não discriminação e não violência, da inclusão social, da saúde sexual e reprodutiva e direitos reprodutivos, da participação dos jovens e dos direitos das meninas e raparigas, da saúde materna, das práticas nefastas contra a saúde das raparigas e das mulheres, dos casamentos infantis e forçados, combinados ou precoces, da mutilação genital feminina, etc.

“Faz parte da nossa missão ir às escolas falar sobre estas temáticas, estar presente, participar e co-organizar reuniões de trabalho com os decisores políticos e não só, trabalhar com os meios de comunicação social, promover campanhas de angariação de financiamentos para determinados projectos, participar em debates e conferências a convite do UNFPA e outras, em linha com a nossa missão. Visitar projectos em diferentes contextos geográficos e fazer contactos com governantes locais e diferentes meios de comunicação social. No fundo, é tornar mais visíveis as causas e as iniciativas do UNFPA.”

3. Pode falar-nos um pouco sobre o trabalho que tem vindo a desenvolver nos últimos 17 anos em parceria com a ONU?

Tenho feito um trabalho permanente com os diferentes decisores políticos e também junto das escolas. Enquanto Embaixadora de Boa Vontade do UNFPA tenho participado como oradora em reuniões internacionais e regionais, campanhas internacionais a convite do UNFPA e/ou por ele indicada; tenho visitado alguns países e projectos onde o UNFPA trabalha e tem influência decisiva na melhoria da vida das populações, sobretudo das mulheres e jovens;  tenho participado em conferências na Assembleia da República e co-apresentado o Relatório sobre a situação da População Mundial, entre muitas outras iniciativas também na sede das Nações Unidas em Genebra e em Nova Iorque como aconteceu em Março aquando da sessão da Comissão da Condição das Mulheres.

Enquanto documentarista, tenho tentado dar a visibilidade  devida a estas questões através da realização de documentários na RTP, quer para o programa Príncipes do Nada quer para a série Dar vida sem Morrer, para que a população  em geral perceba a importância que estes projectos implementados no terreno nos países em desenvolvimento, têm para o exercicio  dos direitos humanos e vivência da dignidade para todas as pessoas. Nascer com saúde e com direitos não pode ser um privilégio de algumas mulheres e crianças, mas sim um direito pleno para todas as pessoas em todo o mundo, nomeadamente através do acesso a cuidados de saúde ( e saúde sexual e reprodutiva) e de educação.

Há 6 anos fundei em Portugal a ONGD Corações Com Coroa (CCC) onde trabalho exactamente as mesmas áreas que abraço no UNFPA: igualdade de oportunidades e de género, não discriminação, não violência, inclusão social. Com a CCC e outras ONG portuguesas acolhi em Lisboa (2014) a Exposição “Novas Demais para Casar” que esteve na sede da CGD,  a primeira exposição sobre o tema dos casamentos infantis em Portugal e também co-produzimos e participámos na Campanha “Continuamos à Espera” sobre a Agenda 2030.

“Há dois anos escrevi um livro que é também um contributo para a abordagem destas questões na medida em que partilho muitas experiências vividas em cerca de 10 países em desenvolvimento,onde estive várias vezes, “O que vejo e não esqueço” da editora Esfera dos Livros.”

 

4. Na sua opinião, de que forma podemos contribuir, enquanto cidadãos, para que consigamos alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e para que a Agenda 2030 seja uma realidade no médio prazo?

Procurar saber mais e para melhor fazer; rever os nossos comportamentos e atitudes; colocar-nos no lugar da outra pessoa (mesmo de outra geografia ou cultura); apoiar e participar  na construção de sociedades mais justas e solidárias; fazer todos os dias mais pelo empoderamento de meninas e mulheres;  ser cidadã atenta e comprometida; fazer da não discriminação e não violência, uma norma individual e colectiva.

“Precisamos de ter uma maior consciência das profundas desigualdades que existem. Saber que o acesso universal à educação e saúde não é uma realidade em todos os países, faz a diferença! Saber que morrem por dia meninas e mulheres apenas porque nasceram Mulher num tempo e geografia que as desvaloriza ou invisibiliza. Mortes evitáveis!”

Os dados relativos à gravidez adolescente, mutilação genital feminina,  casamentos infantis,  mortes maternas, são assustadores, no entanto o investimento nestas áreas é mínimo, quando comparado com o investimento em armamento ou tecnologia de defesa.

5. Que conselho daria a todos os que nos estão a ler e que querem abraçar uma carreira na área da cooperação internacional e ajudar a promover a sustentabilidade do nosso planeta?

Sejam preserverantes, sejam resilientes, percebam que a humanidade é uma partilha constante e sobretudo percebam que o que fizerem aqui terá impacto ali e vice-versa. A Cooperação Internacional não é apenas o trabalho de diplomatas, Ministérios de Negócios Estrangeiros, relações exteriores ou das grandes conferências mundiais, a Coooperação Internacional faz-se e exercita-se no quotidiano através do empoderamento e da promoção da  igualdade de todas as pessoas, sem deixar ninguém para trás. É necessário rever os nossos padrões de actuação e consumo de bens culturais e outros.”

6. Uma relação de 17 anos é um laço muito maduro. Poderemos continuar a contar com o seu contributo?

Com toda a certeza. Esta é uma missão que mudou a minha vida e a forma como encaro o meu papel enquanto figura pública, cidadã, mulher e até mãe. Estarei com esta missão com o UNFPA até que a entendam manter.


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