Conferência dos Oceanos da ONU: lançamento de uma frota de soluções

Milhares de milhões de seres humanos, animais e plantas dependem de oceanos saudáveis, mas a subida das emissões de carbono está a torná-los mais ácidos, enfraquecendo a sua capacidade de sustentar a vida marinha e terrestre. 

Os resíduos plásticos estão a sufocar as nossas águas e mais de metade das espécies marinhas do mundo podem estar em risco de extinção até 2100. 

No entanto, nem tudo são más notícias. Segundo o enviado especial do secretário-geral da ONU para os Oceanos, Peter Thomson, a oportunidade para uma mudança positiva está a crescer em todo o mundo, com as pessoas, especialmente os jovens, para inverter o declínio da saúde dos oceanos. 

A Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que acontece de 27 de Junho a 1 de Julho, em Lisboa, é uma oportunidade crucial para mobilizar parcerias e aumentar o investimento em abordagens orientadas para a ciência. 

É também o momento para os governos, indústrias e sociedade civil unirem esforços e agirem. 

A menos de 100 dias para a Conferência, a ONU News conversou com o enviado especial para os Oceanos sobre o evento e sobre o estado atual dos nossos oceanos. 

Fotografia vencedora do concurso do Dia Mundial dos Oceanos 2021 © Renee Capozzola

ONU News: Qual o propósito da Conferência dos Oceanos da ONU? O que vai acontecer exatamente? 

Enviado especial Peter Thomson: Quando o ODS 14 (proteger a vida marinha) foi criado em 2015, juntamente com os outros 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, não tinha verdadeiramente uma base. Não era como o ODS da saúde, que tinha a Organização Mundial de Saúde ou o da agricultura, que tinha a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), entre outros exemplos. 

Assim, os defensores do ODS 14, em particular, os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, alguns dos Estados costeiros e outros aliados, defenderam que seria necessário criar uma forma de assegurar que a implementação do ODS 14 estivesse no bom caminho e, se não estivesse, encontrar uma maneira de a pôr no bom caminho. 

É neste contexto que surge a primeira Conferência dos Oceanos da ONU, em 2017, mandatada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Este ano, em Lisboa, vamos receber a segunda Conferência dos Oceanos. Este é o processo que mantém o ODS 14 uma realidade. E essa realidade é extremamente importante porque, como diz o mantra, não há planeta saudável sem oceanos saudáveis. 

 

ONU News: Como qualifica os avanços feitos na conservação dos oceanos desde a última Conferência? 

Peter Thomson: Definitivamente, não foram suficientes. Existia uma meta para que, em 2020, cerca de 10% do oceano esteja coberto por Áreas Marinhas Protegidas (AMP), mas só atingimos 8% em 2022. Isto mostra que há muito trabalho a fazer nesta matéria, pois as Áreas Marinhas Protegidas são uma parte essencial na preservação da saúde dos oceanos. 

Para a Conferência da ONU sobre Biodiversidade, que vai acontecer este ano em Kunming, na China, existe uma proposta, apoiada por cerca de 84 países, cujo objetivo é o “30 por 30”, ou seja, 30 por cento do planeta protegido até 2030, o que inclui, naturalmente, partes dos oceanos. Portanto, é muito mais ambicioso do que o que temos atualmente na nossa meta do ODS 14.5, que é a que estabelece esses 10%. Creio que isto é exequível e estamos a avançar nessa direção. 

Fotografia do concurso do Dia Mundial dos Oceanos 2020 © Joanna Smart

ONU News: As alterações climáticas são uma questão de sobrevivência para todos nós, mas especialmente para os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento. Como Fijiano, o que diria às pessoas sobre a situação devastadora que milhões de ilhéus do Pacífico estão a enfrentar? 

Peter Thomson: As notícias não são boas, como mostra o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC). Sou avô, e o que me interessa a mim e aos meus nas Fiji é a segurança dos nossos netos. 

Não são apenas pequenos Estados insulares em desenvolvimento, são as pessoas que vivem nos deltas dos rios – pense-se no Bangladesh ou no Mekong – e são as pessoas que vivem em cidades construídas sobre fundações aluviais baixas. A segurança não é boa para estas pessoas, especialmente num mundo que está dois a três graus mais quente, que é para onde nos dirigimos atualmente. 

Os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, entre eles as Fiji, estão na vanguarda da batalha para transformar os nossos padrões de consumo e produção, de modo a mitigar o aquecimento do mundo. “1,5 para nos mantermos vivos”, como diz o ditado. Essa continua a ser a nossa ambição. Está a diminuir todos os dias, mas pedimos que essa ambição seja elevada. 

É uma questão de sobrevivência não só para os nossos netos, mas também para as nossas culturas, que já existem há milhares de anos nesses locais. 

  

ONU News: Qual é o caminho a seguir? Que ações concretas podem ser tomadas? 

Peter Thomson: Veja-se a Conferência da ONU sobre o Clima, a COP26. Veja-se o que resultou disso, e para onde vamos na próxima conferência, a COP 27, em Sharm el-Sheikh, em Novembro deste ano. 

Trata-se de reduzir o uso de combustíveis fósseis e as atividades de queima de carvão. Cada partícula que sai de cada uma dessas chaminés é mais um prego no caixão desses países, desses ambientes de que falei há pouco. Por isso, esse é o grande apelo à transformação. 

E sejamos honestos: a mudança está em cada um de nós. Ao sairmos desta pandemia da covid-19, vamos simplesmente voltar ao que fazíamos antes? Ou vamos tentar alimentarmo-nos de forma mais sustentável, viajar de forma mais sustentável, comprar de forma mais sustentável? Será que a pandemia nos ensinou alguma lição? Esperemos que sim. E vamos reconstruir não só melhor, como mais verde e mais azul. 

Fotografia do concurso do Dia Mundial dos Oceanos 2018 © Domenico Tripodi

ONU News: Pode dar-nos alguns exemplos de ‘soluções para o oceano’? 

Existem mil soluções, e uma frota delas vai ser lançada na Conferência dos Oceanos da ONU, em Lisboa. Em vez de entrar em soluções individuais, diria que é importante estar preparado para essa frota. 

Uma das soluções que gosto particularmente de falar é a nutrição. Todos sabemos que o mar proporciona uma nutrição muito saudável em comparação com alguns produtos que são produzidos em terra. 

Nós não comemos o que os nossos avós comeram. Temos uma dieta totalmente diferente, razão pela qual a obesidade é um problema tão grave em todo o mundo. Mas os nossos netos também vão comer de forma muito diferente da nossa. 

Não vão comer peixes grandes, por exemplo. Vão continuar a comer peixe, mas teremos peixes pequenos a serem cultivados em condições de aquacultura sustentável. Vão comer muito mais algas. E isso pode não parecer apetitoso, mas já estão a comê-lo no sushi, algas marinhas. 

A maior fonte de alimento do mundo é inexplorada por qualquer outro ser que não as baleias: o fitoplâncton. Vamos comer algum tipo de tofu marinho que é feito a partir do fitoplâncton. Vamos ser agricultores do mar em vez de caçadores-coletores, que é o que ainda somos. Este tipo de transformações estão em curso, mas temos de investir nelas e temos de começar a fazê-lo agora. 

  

ONU News: O que podemos fazer enquanto cidadãos? 

Peter Thomson: Temos de ter presente a lógica “da fonte para o mar”, o que é muito importante. Vemos pessoas a atirarem pontas de cigarros para a sarjeta. Não pensam no facto de o filtro desse cigarro ser microplástico e estar a ir numa direção, através do esgoto, para o mar. É mais microplástico a ir para o oceano. 

Os microplásticos voltam para as pessoas quando comem o seu peixe ou batatas fritas, porque estão a ser absorvidos pela vida nos oceanos. Este ciclo está a decorrer, quer as pessoas se apercebam ou não. 

Portanto, penso que “da fonte para o mar” é realmente importante, mas isso está relacionado com as nossas indústrias, com a agricultura, com os produtos químicos que estão a descer os mesmos esgotos e rios para o mar e a envenenar as lagoas de que dependemos para ecossistemas marinhos saudáveis. 

O que podemos nós fazer? Podemos simplesmente adotar um melhor comportamento como seres humanos em termos de poluição. Olhar para o nosso uso de plástico e questionar: precisamos mesmo de todo este plástico na nossa vida? Eu tenho idade suficiente para me lembrar de uma vida sem plástico e era muito bom. 

As pessoas podem tomar as suas próprias decisões sobre a sua alimentação. Lembro-me de a minha mulher e eu, quando vivíamos em Nova Iorque, olharmos para o último relatório sobre o que a carne de vaca estava a fazer à Amazónia, e olharmos para uma foto dos nossos netos. A questão foi: do que é que gostamos mais? Os hambúrgueres ou os nossos netos? Decidimos ali, há cerca de cinco anos, desistir da carne de vaca. 

As pessoas precisam de ter um carro? Muitas pessoas sim, mas eu e a minha mulher já vivemos em cidades há bastante tempo e não temos carro há décadas. Dependemos dos transportes públicos e das deslocações a pé, que é a melhor forma de nos deslocarmos. 

Os cidadãos devem fazer escolhas que fazem deste mundo um lugar sustentável. 

Fotografia do concurso do Dia Mundial dos Oceanos 2017 ©Christian Vizl

ONU News: O que se espera alcançar na próxima Conferência dos Oceanos? 

Peter Thomson: Em Lisboa, queremos gerar, fora do processo formal e em eventos paralelos, novas ideias de inovação. 

Estou confiante no surgimento de ideias inovadoras, visíveis na atmosfera que se desenvolve em torno do núcleo central da conferência. 

As parcerias inovadoras baseadas na ciência estão também em destaque. Públicas, privadas, a norte, a sul, a este e a oeste. Este é um momento universal. Uma conferência da ONU é sempre um momento universal. 

A primeira Conferência dos Oceanos, em 2017, foi uma mudança de paradigma e despertou o mundo para os problemas dos oceanos. Esta Conferência, em Lisboa, em Junho, tem como objetivo dar soluções para os problemas do mundo que temos vindo a alertar. Estou muito confiante que as soluções vão emergir quando lá chegarmos. 


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