Defensora dos direitos humanos afegã ajuda Fundão a acolher refugiados

Este artigo foi originalmente publicado pelo UNHCR.  

Com um objetivo coletivo de melhorar a vida de 36,4 milhões de refugiados em todo o mundo, o Fórum Mundial para os Refugiados (GRF) acontece de quatro em quatro anos, reunindo a comunidade internacional para abordar os desafios multifacetados e as oportunidades associadas à deslocação forçada.  

O GRF 2023, realizado em Genebra, na Suíça, de 13 a 15 de dezembro, representa um momento crucial para promover esforços de colaboração e orientar o discurso global para soluções sustentáveis em vez de crises perpétuas.  

No momento em que se prepara o palco global para abordar estas questões críticas, as narrativas pessoais dos refugiados, como as dos que encontram refúgio em Portugal, oferecem uma visão profunda das dimensões humanas da deslocação e da resiliência.  

Este artigo conta a história de Sediqa Nawrozi, uma refugiada afegã que se instalou no Fundão e que hoje ajuda os outros na sua integração nesta cidade do interior de Portugal.  

© UNHCR/Ana Brigida | Sediqa Nawrozi, uma refugiada afegã de 29 anos, trabalha como mediadora cultural no Fundão, Portugal, ajudando outros afegãos a instalarem-se na zona.

Sediqa Nawrozi, um exemplo de resiliência 

Trabalhando como mediadora intercultural, Sediqa Nawrozi é uma refugiada afegã de 29 anos, instalada no Fundão, Portugal, que se dedica a ajudar os seus compatriotas a adaptarem-se à vida numa pequena cidade portuguesa empenhada em acolher refugiados e migrantes. 

Para Sediqa, o seu trabalho no seu país natal, o Afeganistão, era mais do que um emprego. Era uma vocação. 

A jovem de 29 anos passou sete anos numa ONG dedicada à defesa dos direitos humanos de algumas das mulheres e raparigas mais vulneráveis do país. Quando, após a tomada de poder em 2021 pelas atuais autoridades de facto, Sediqa se viu subitamente mergulhada nessa mesma categoria e fugiu em segurança através de um voo humanitário para Portugal, o seu coração partiu-se pelas mulheres e raparigas que deixava para trás. 

“Como mulher, perdi tudo – os meus direitos, o meu emprego, a minha educação, tudo”, disse, acrescentando que o “futuro era negro”. “Todos os dias chorava”, recorda. 

Embora Sediqa tivesse tido a sorte de se reunir, na pequena cidade portuguesa do Fundão, com a mãe e três irmãs, estava constantemente preocupada com o pai e outros familiares que ainda estavam no Afeganistão. Também se preocupava com a forma como, neste país distante, cuja língua não falava, conseguiria encontrar trabalho, quanto mais um trabalho significativo, satisfatório e com impacto, como costumava fazer no seu país. 

“Quando vim para cá, tudo era novo para mim”, recorda Sediqa, no escritório onde trabalha agora como mediadora intercultural, ao serviço da pequena, mas crescente, comunidade afegã do Fundão, composta por cerca de quatro dezenas de pessoas. 

População fundanense em declínio  

A refugiada afegã é uma das oito mediadoras culturais do Fundão, todas contratadas pelo município como parte de um esforço para atrair novos habitantes para esta região remota do leste de Portugal. Tal como muitas outras zonas rurais do país, a cidade de 30.000 habitantes tem visto a sua população diminuir desde os anos 60, altura em que se iniciou um padrão de migração rural-urbana que tem continuado, em grande parte, sem diminuir desde então. 

“Perdemos quase metade da população” desde 1960, diz o presidente da Câmara Municipal do Fundão, Paulo Fernandes. 

Uma vez que os jovens são os mais suscetíveis de abandonar a cidade, em busca de melhores oportunidades nas grandes cidades ou no estrangeiro, os restantes residentes do Fundão são desproporcionalmente idosos. A escassez de pessoas em idade ativa significa que as empresas locais há muito que têm dificuldade em recrutar e reter pessoal. 

Como resultado, a cidade espera atrair refugiados e migrantes através da criação de uma estrutura de apoio multifacetada destinada a facilitar o período de transição, muitas vezes difícil, dos recém-chegados e a ajudá-los a criar raízes no Fundão. A equipa de mediadores culturais a que Sediqa pertence tem funcionários dedicados que servem as comunidades ucraniana, brasileira, sul-asiática, africana e afegã da cidade, ajudando os recém-chegados a ultrapassar os obstáculos administrativos e a aceder a documentos e empregos, bem como a serviços básicos como a escola e os cuidados de saúde.   

Além disso, o Fundão transformou um antigo seminário católico nos arredores da cidade num “centro de migrantes” polivalente, onde os recém-chegados podem ficar enquanto se orientam. Para além de alojamento e alimentação, o centro também oferece cuidados infantis, aconselhamento e uma série de atividades culturais a cerca de 200 refugiados e migrantes, muitos dos quais encontram trabalho nas quintas e fábricas das redondezas. 

© UNHCR/Ana Brigida | O tio de Sediqa, Enayatullah (centro), e o cunhado, Nematullah, visitam o seu escritório no Fundão.

Abordagem “holística e intensa” 

Paulo Fernandes descreveu as iniciativas como parte de uma abordagem “holística e intensa” que está a dar frutos. O Fundão recebe regularmente refugiados e requerentes de asilo deslocados, bem como outros que procuram a cidade devido aos serviços que ajudam a garantir que a sua chegada seja o mais tranquila possível. Atualmente, cerca de 7% dos habitantes são estrangeiros, refere o autarca, acrescentando que esta alteração demográfica marca uma mudança substancial numa cidade que até há pouco tempo era maioritariamente portuguesa.   

O presidente da Camâra Municipal sugeriu também que a experiência vivida por muitas famílias do Fundão, ao verem os seus familiares a procurar uma vida melhor no estrangeiro, ajudou a tornar os residentes excecionalmente recetivos aos estrangeiros. 

“Queremos dar oportunidades para as pessoas construírem uma vida…”,  

Paulo Fernandes, presidente da Câmara Municipal do Fundão 

“Somos uma terra de emigrantes e, como tal, acolher e receber quem precisa é para nós um imperativo moral”, reitera o autarca, acrescentando: “queremos dar oportunidades para que as pessoas construam um projeto de vida na nossa comunidade. [Que possam] não só recuperar, física e mentalmente, mas também ter acesso a uma casa e a um emprego decentes e tornarem-se cidadãos completos da nossa comunidade.” 

O Fundão é um exemplo brilhante de como tanto os refugiados como as comunidades que os acolhem podem beneficiar de políticas e práticas inclusivas, aumentando a autossuficiência dos recém-chegados e revigorando as economias locais.   

A promoção destas abordagens inclusivas será um dos principais temas do Fórum Mundial para os Refugiados (GRF), que se realizará em Genebra de 13 a 15 de dezembro. O GRF é o maior encontro mundial de políticos, diplomatas, refugiados, empresas, instituições de caridade e fundações, grupos religiosos e muitos outros para abordar os desafios e aproveitar as oportunidades enfrentadas por aqueles que são forçados a fugir das suas casas e por aqueles que os acolhem. 

© UNHCR/Ana Brigida | Sediqa partilha uma piada com Filipa Batista, a coordenadora de um centro que alberga cerca de 200 refugiados e migrantes num antigo seminário católico.

Filipa Batista, coordenadora do centro local de migrantes, diz que os recém-chegados mudaram o tecido do Fundão, dando nova vida e cor à cidade. 

“É espantoso ver como a nossa pequena cidade se transformou numa terra de acolhimento – um lugar que recebe calorosamente pessoas de todo o lado”, disse Filipa Batista. Acrescentou que os residentes locais receberam os novos vizinhos com curiosidade e empatia, com muitos residentes de longa data a estenderem a mão às famílias recém-chegadas, trazendo refeições, doando mobiliário e outros artigos básicos, ou ajudando a cuidar das crianças. 

“Agora sou capaz de ajudar outras pessoas.” 

Sediqa, refugiada afegã  

Sediqa, que, no âmbito do seu trabalho, faz regularmente visitas domiciliárias para ver como estão as famílias e acompanhá-las a consultas médicas ou a outros compromissos importantes, diz que ela e a sua própria família estão gratas pela receção calorosa que eles e outros refugiados têm recebido. 

“A comunidade aqui no Fundão é muito simpática. As pessoas são muito prestáveis”, diz ela com um sorriso. 

Também está grata por ter sido contratada como mediadora cultural, dizendo que o trabalho voltou a dar sentido à sua vida.   

“Vim desta situação (e) agora sou capaz de ajudar outras pessoas”, disse, referindo-se à difícil experiência de ser forçada a sair de casa e construir uma nova vida num contexto completamente estrangeiro. “Sinto-me orgulhosa.” 

© UNHCR/Ana Brigida | Sediqa no seu escritório no Fundão, onde ajuda outros afegãos a instalarem-se na zona.

O Fórum Global dos Refugiados (GRF) deste ano é uma oportunidade para as nações trabalharem juntas e reunirem os recursos para um objetivo comum: melhorar o bem-estar e o futuro dos refugiados em todo o mundo. 


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