Dez perguntas ao embaixador Peter Thomson

Na contagem decrescente para Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, questionámos o enviado especial do secretário-geral da ONU para os Oceanos. 

  1. O mote da Conferência dos Oceanos da ONU é “salvar os oceanos, proteger o futuro”. O que é que estas palavras significam para si?

Resposta: Talvez já tenham ouvido o meu mote diário: “não há planeta saudável sem oceanos saudáveis e a saúde dos oceanos está em declínio mensurável”. Por isso, o mote significa que temos trabalho a fazer para inverter o declínio. Vamos a isso. 

  1. A Conferência vai-se focar na ciência e na inovação para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 – Proteger a Vida Marinha. Qual tem sido a evolução do ODS14 e como estamos a alavancar a ciência e a inovação?

Resposta: O ODS14 procura conservar e utilizar de forma sustentável os recursos dos oceanos. Estamos a fazer progressos razoáveis na conservação dos oceanos e tenho muita esperança que a Convenção sobre Biodiversidade (COP 15) adote a meta proposta de 30 por 30 no final deste ano. Estamos menos bem na utilização sustentável e há alguns setores que têm grandes planos para abrir novas áreas de atividade que são insustentáveis para os oceanos. Se queremos verdadeiramente a sustentabilidade, as decisões futuras sobre a utilização dos recursos dos oceanos devem basear-se num planeamento marinho inteligente em termos climáticos, no princípio da precaução e numa ciência sólida, razão pela qual os Estados-membros mandataram a Década das Nações Unidas para a Ciência dos Oceanos que está atualmente em curso. 

  1. Quais são as principais questões na agenda da Conferência dos Oceanos? Ao que é que as pessoas devem prestar atenção?

Resposta: As Conferências dos Oceanos das Nações Unidas são realizadas para dar suporte ao ODS14, pelo que as principais questões são as dez metas do objetivo – desde a poluição marinha até à implementação do direito internacional. Os Estados-membros da ONU escolheram um tema para a Conferência que se baseia na expansão da ação dos oceanos, inventário, ciência, inovação, parcerias e, mais importante, soluções. Se as pessoas se preocupam com a saúde dos oceanos devem prestar atenção. 

UN Photo/Ariana Lindquist
  1. O que espera de Lisboa? Qual é, para si, um resultado bem-sucedido?

Resposta: Espero testemunhar o lançamento de uma grande frota de soluções inovadoras e baseadas na ciência para os desafios que os oceanos enfrentam. É com isso que vamos trabalhar, nos próximos anos, no sentido de inverter o declínio da saúde dos oceanos.

  1. A Conferência foi adiada em 2020 devido à pandemia da covid-19 e houve ainda mais lixo a entrar no oceano. Em geral, como é que a pandemia afetou o progresso e o impulso da ação para os oceanos?

Resposta: Um novo tipo de poluição plástica – equipamentos de proteção pessoal – entrou na já grande quantidade de plástico que despejamos nos oceanos. Se não houvesse uma luz de esperança em Nairobi na Assembleia do Ambiente da ONU, este ano, com uma resolução para criar um tratado internacionalmente vinculativo para controlar a poluição por plástico, até 2050 teríamos mais plástico do que peixe nos oceanos. Não se enganem, desencadeámos uma praga de plástico sobre a natureza e é tempo de deixar de o fazer. 

  1. Qual o papel que os oceanos desempenham na saúde e bem-estar humano?

Resposta: Para além do facto de 50% do oxigénio do planeta ser produzido nos oceanos, os oceanos são uma fonte de alimentação saudável para milhares de milhões de pessoas. Em termos da transição para as energias renováveis, os oceanos podem fornecer-nos toda a energia que precisamos através do vento, das ondas e da energia das marés. Da mesma forma, a descarbonização da navegação através da transição para o hidrogénio verde vai ter enormes benefícios para a saúde humana. Novas formas de alimentação vão emergir de uma abordagem mais sustentável da nutrição aquática, através de produtos como as algas e uma aquicultura verdadeiramente sustentável. 

UN Photo/Eskinder Debebe
  1. Que papel desempenham os oceanos e a Conferência na abordagem às crises climáticas e de biodiversidade?

Resposta: A ligação entre os oceanos e as alterações climáticas é inseparável. Os oceanos são o maior sumidouro de carbono do planeta e absorveram mais de 90% do excesso de calor atribuído às emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa. As taxas de acidificação, onde o CO2 se dissolve na água do mar, estão atualmente a ocorrer a cerca de dez vezes mais depressa do que qualquer outro fenómeno que tenhamos experimentado nos últimos 300 milhões de anos. Os efeitos deste processo em ecossistemas marinhos como os recifes de coral são devastadores, o que constitui uma séria preocupação para o futuro da biodiversidade marinha, uma vez que os recifes de coral albergam cerca de 25% de toda a vida marinha. Abordar esta relação significa ir à fonte do problema e mostra a necessidade de baixar as emissões de gases com efeito de estufa para níveis aceitáveis e, principalmente, a urgência em cessar a utilização de combustíveis fósseis para as nossas necessidades energéticas. Isto pode ser feito.   

  1. Quais são as suas maiores preocupações quando se trata da saúde dos oceanos?

Resposta: O que mais me preocupa é que a maioria de nós continua a viver como se as nossas ações não tivessem consequências para aqueles que vêm depois de nós. Com base no caminho atual da humanidade, estamos destinados a um mundo entre 2 e 3 graus celsius de aquecimento global neste século. Isso afeta as vidas dos nossos filhos e netos e isto torna o mundo em fogo, fome, inundações e pandemias. A justiça intergeracional exige que façamos agora as transições necessárias. 

  1. O que o torna otimista de que o mundo se pode unir para resolver estes problemas? Onde é que fizemos mais progressos?

Resposta: Não sou otimista nem pessimista. Creio que devemos, em vez disso, ser pragmáticos e fazer a coisa certa pelo bem comum. Todos sabemos o que isso significa: a dedicação, o sacrifício e a equidade devem vencer a apatia e a ganância. O progresso e a prosperidade surgirão a partir daí. 

  1. Para terminar, pode partilhar uma memória ou experiência favorita que envolva os oceanos?

Resposta: Certamente que não são as centenas de vezes que sofri de enjoos no mar. Penso que giraria em torno dos tempos da praia com a família e amigos, nadar, mergulhar, velejar, surfar e ensinar os mais pequenos a nadar. Espero fazer tudo isso com eles quanto estiver de volta às Fiji, em outubro próximo. 

 

Ouça o episódio do podcast Time to Turn the Tide com o Embaixador Peter Thomson:


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