PMA no Sudão pela portuguesa Andreia Fausto

 Nome: Andreia Fausto

Profissão: Responsável da Equipa de Emergência do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas, no Sudão

Naturalidade: Trevões, São João da Pesqueira

Andreia Fausto integra, desde agosto de 2018, a equipa de emergência do Programa Mundial de Alimentos (PMA) das Nações Unidas, no Sudão – onde vive há mais de dois anos. Especialista em Saúde Pública, tem 30 anos e é natural de Trevões, no concelho de São João da Pesqueira, distrito de Viseu. Participou num estudo sobre a malária em países da África Austral, deslocada no Maláui, e o seu trabalho com o PMA passa por Moçambique e São Tomé e Príncipe. À ONU Portugal, fala sobre o seu percurso e sobre a importância do trabalho desenvolvido pelo PMA, na ocasião da entrega do Prémio Nobel a esta agência das Nações Unidas.

ONU Portugal: Trabalha no PMA há vários anos. Poderia começar por falar-nos um pouco o seu percurso?

Andreia Fausto: Comecei a trabalhar no sector humanitário quando, enquanto estava a fazer o meu mestrado em Glasgow, na Escócia, integrei um estágio com o governo britânico (FDCO) para fazer uma análise epidemiológica sobre a malária em países da Africa Austral – incluindo Moçambique. Esse mesmo programa levou-me a Lilongwe, no Maláui, o que, por sua vez me levou a conhecer o trabalho do PMA. No PMA, comecei por ser assistente de parcerias público-privadas. Posteriormente, geri projetos de desenvolvimento – desde projetos focados no combate à desnutrição crónica ao desenvolvimento de políticas públicas para o reforço de alimentos e ao apoio a pequenos agricultores – que são o alicerce para se ter uma cadeia de abastecimento sustentável. Estive, também, envolvida no processo Estratégico do Plano-País para São Tomé e Príncipe – o que me levou a ter uma visão mais abrangente de como o PMA e outros intervenientes como a sociedade civil, o sector privado e as organizações não governamentais, etc. podem ajudar os governos a atingir as metas de cada Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da agenda 2030. Várias missões depois, neste momento, integro a equipa de emergência do PMA em Khartoum, no Sudão. O PMA Sudão já apoiou mais de 6.5 milhões de pessoas este ano, até agora.


OP: Em que consiste a sua atual função?

AF: Neste momento faço parte da equipa de emergências que assiste 6.5 milhões de pessoas no Sudão – entre eles refugiados, pessoas deslocadas devido a conflitos armados, pessoas afetadas pelas cheias (este ano, as piores dos últimos 100 anos) – e, devido à volatilidade da economia e a uma inflação anual acima de 200%, apoiamos igualmente comunidades residentes com níveis de segurança alimentar preocupantes. Conjuntamente, dou apoio na resposta aos mais de 45,000 refugiados chegados ao Sudão vindos da vizinha região de Tigray, na Etiópia. Resumida, eu e a minha equipa asseveramo-nos de que a ajuda chega a quem mais precisa, de uma maneira consistente (quer na forma de alimentos, quer em vouchers ou dinheiro) e que as mulheres grávidas e lactantes, assim como as crianças até aos 5 anos de idade, recebem apoio nutricional preventivo de maneira a não alcançarem níveis de desnutrição indesejáveis.

OP: Que conselhos deixa a quem gostaria de vir a trabalhar no Programa Alimentar?

AF: Diria a todos os que querem integrar o PMA que comecem por ser altruístas nas pequenas coisas que fazem – mesmo nas mais banais do dia-a-dia. Por outro lado, digo-lhes que não desistam à primeira tentativa, que sejam humildes e resilientes. É necessário perceber que trabalhar no setor humanitário pode ser bastante competitivo e, às vezes, bastante instável ao andar de um país para outro. No entanto, traz uma vivência extraordinária como nenhuma outra que, se houver dedicação e paixão pelas causas, aliado a um pensamento crítico e a um sentimento de pertença e responsabilidade por aquilo que fazemos, como pela organização que representamos, pode ser muito gratificante e recompensador, quer a nível pessoal como profissionalmente.

OP: Quem trabalha no terreno convive com realidades que a maior parte do mundo ocidental ignora. Pode partilhar uma experiência que a tenha marcado?

AF: No início de 2020, o PMA conseguiu, pela primeira vez em 9 anos, depois da independência do Sudão do Sul, implementar o programa de alimentação escolar em diversas escolas em Kauda, mas montanhas Nuba, um estado não-governamental. Tive o privilégio de fazer parte dessa equipa e de ouvir de antemão histórias de pessoas que perderam filhos, pais, irmãos, amigos durante os bombardeamentos a que a região esteve sujeita durante a guerra.

Conheci uma jovem mulher que perdeu a mãe anos antes, na guerra. A mãe dela era professora numa das escolas onde nós, PMA, estávamos a começar a implementar alimentação escolar para mais de 500 crianças. Ela não conseguia parar de nos agradecer porque sabia o quanto aquela escola significara para a sua mãe e, no seu discurso, era muito consciente do que isso significa para o futuro das crianças de Kauda.

OP: O PMA foi recentemente distinguido com o prestigiado Prémio Nobel. Para quem não conhece o trabalho da agência, e apelando ao seu poder de síntese, como descreve o impacto do trabalho da agência nas diferentes regiões do mundo que carecem de assistência alimentar?

AF: O PMA, a maior agência humanitária do mundo, ajudou quase 100 milhões de pessoas em mais de 80 países em 2019, e, nas últimas décadas, tentou salvar vidas em situações de desastres. No entanto, esta agora também a mudar vidas, reforçando a ligação entre segurança alimentar e desenvolvimento e reforçando assim, em conjunto com outros intervenientes, todas as etapas das cadeias de valor.

Sabe-se que há 690 milhões de pessoas (quase 9% da população mundial) em situação de fome. Devido ao impacto económico da crise provocada pelo vírus SARS-CoV-2, estima-se que a esse número acresçam mais de 130 milhões de pessoas. O papel do PMA torna-se ainda mais importante neste momento, dadas as crises alimentares causadas pela violência e o conflito armado – agora ainda mais visíveis, devido aos efeitos colaterais da pandemia. Por outro lado, com as mudanças climáticas, assistimos cada vez mais a desastres naturais (cheias, ciclones, secas extremas) perante os quais o PMA continua na linha da frente a prestar assistência humanitária e, através da nossa capacidade logística, a fazer chegar ajuda a quem


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