“Todas as migrações são relevantes para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”

2019 foi o ano em que se registou o maior número de migrantes internacionais no século XXI. A Divisão para a População do Departamento para Assuntos Económicos e Sociais da ONU aponta para 272 milhões de pessoas, com a Europa a assumir-se como a região que mais migrantes internacionais acolhe: 82 milhões. Perante estes números, ouvimos Marta Bronzin, Chefe da Missão da Organização Internacional para as Migrações em Portugal, com o objetivo de compreender os desafios e o eixo de ação da OIM na nova década que agora se inicia.

Está à frente da OIM Portugal desde setembro de 2010. Desde então, o número de migrantes internacionais aumentou em 51 milhões. Como avalia a migração em Portugal ao longo destes quase 10 anos?

Em Portugal atravessámos várias fases. Houve uma fase de saldo negativo, muito por causa dos anos da crise económica, mas agora estamos a assistir a um aumento significativo do número de migrantes em Portugal, seja no número de pessoas que residem, seja no número de pessoas que entram no país. Hoje, observamos uma diversificação bastante acentuada de perfis e nacionalidades e nos tipos de fluxos. São migrantes que vêm por razões laborais, mas também estudantes, investidores e reformados, relacionados com o aumento muito significativo das comunidades da União Europeia e da mobilidade intraeuropeia. Há ainda um aumento significativo do número de requerentes de asilos e de refugiados que vêm através de esquemas de reinstalação ou de movimentos de recolocação entre países.

Portugal, dada a sua localização geográfica, passa um pouco ao lado da realidade migratória europeia ou pensa que poderá surgir como uma nova porta de entrada para os migrantes internacionais?

Portugal, em relação à União Europeia, não está interessado em fluxos de movimentos irregulares, não só pelo fator localização, mas por termos maioritariamente fronteiras aéreas, daí que se afaste um pouco do contexto migratório da União Europeia e daqueles que são os fluxos por mar e as chegadas irregulares através do Mediterrâneo. Portugal tem um contexto bastante estável em relação aos outros países da linha da frente do Mediterrâneo, como a Espanha, a Itália e a Grécia, que recebem a maioria dos fluxos irregulares via mar, e das Balcãs, em que as rotas por terra são específicas daquela área. Daí que tenhamos fluxos mais controláveis do que em outros países, mas o que não quer dizer que não tenhamos desafios para enfrentar, já que Portugal desempenha um papel no âmbito da solidariedade e partilha de responsabilidade europeia nos esquemas de reinstalação e realocação de migrantes.

Qual é o foco do trabalho da OIM Portugal?

No seu conjunto, a OIM tem um mandado de promover uma migração segura, regular e ordenada. Como é uma organização muito descentralizada e de proximidade, a ação de cada escritório é definida pelo contexto em que o país se encontra e pela colaboração que tem com o Governo. O escritório em Lisboa foi criado em 1976 e a sua intervenção acompanhou a evolução do contexto português. Se nos anos ’80 apoiávamos os emigrantes portugueses que saiam para o Canadá e para outros países, agora, e apesar de Portugal nunca ter deixado de ser um país de emigração, estamos a focar o nosso apoio ao Governo nos fluxos de entrada.

Marta Bronzin, Chefe da Missão da OIM Portugal
Marta Bronzin, Chefe da Missão da OIM Portugal

Daí que seja um trabalho muito diversificado, que assenta não só numa cooperação muito estreita com o Governo, ao nível da identificação das prioridades, da gestão da migração e nas possíveis respostas, mas também em ouvir as populações às quais damos apoio para a identificação de necessidades específicas ou para melhorarmos a nossa resposta.

Falando em formas de trabalho, prestamos assistência direta aos migrantes, através de programas como o de Apoio ao Retorno Voluntário e de Reintegração e o Programa de Reinstalação.

A OIM Portugal também faz muito um trabalho de rede no terreno com uma série de entidades, sejam serviços públicos locais, associações de migrantes ou outros parceiros.

A um nível mais concreto, temos o programa de apoio à reinstalação, em que damos assistência ao Governo na reinstalação dos refugiados da Turquia e do Egito, e prestamos apoio ao Governo na inclusão dos direitos humanos e dos migrantes, na gestão de fronteiras e na promoção dos direitos dos migrantes em detenção, nomeadamente na promoção de alternativas à detenção.

Desenvolvemos ainda muito trabalho ao nível da integração dos refugiados, no sentido de facilitar a passagem de informação entre quem os recebe (instituições de acolhimento, serviços locais) e os próprios refugiados, com o objetivo de sensibilizar sobre os programas, medir as expectativas e averiguar as dificuldades. É um trabalho que consiste muito na sensibilização, na criação de redes de partilha de informação, na identificação de possíveis dificuldades de comunicação intercultural e na gestão de expectativas.

Qual o maior desafio na prossecução dos objetivos do Escritório em Portugal?

Posso dizer que não há grandes desafios, talvez um dos desafios seja dar continuidade, no longo prazo, ao trabalho que fazemos em determinadas áreas, construindo por cima daquilo que fazemos em primeira fase. Isto é um investimento que fazemos, por exemplo, através do Memorando de Entendimento que assinámos com a Direção Geral da Saúde. É um exemplo bom de como o enquadramento institucional pode ajudar a um trabalho mais de longo termo.

Marta Bronzin, Chefe da Missão da OIM Portugal

O facto de não haver um grande desafio ao trabalho deste Escritório pode provir do facto de, em Portugal, o tema da migração ser bem aceite?

O nosso trabalho assenta na colaboração com o Governo, não trabalhamos ao lado do Governo e também não o substituímos. As políticas públicas que o Governo desenvolve através das suas instituições têm uma postura consistente ao longo dos anos, apesar da crise que atravessou.

É uma posição muito positiva, muito aberta e investindo em políticas públicas para a integração.

Recentemente, a ONU lançou a Década de Ação para acelerar o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2030. Estes Objetivos afetam e são diretamente afetados pela migração. Como é que a OIM Portugal avança a Agenda 2030?

Há uma meta específica para as migrações, a meta 10.7, mas é verdade que basicamente todas as migrações são relevantes para as metas dos ODS e cada país prioriza as metas de acordo com o seu contexto. Para além de uma intervenção ao nível da sensibilização, desenvolvemos e aplicámos, em 2017, o MGI – “Migration Governance Indicator”, que é uma ferramenta que pretende olhar, no seu conjunto, os processos institucionais e as políticas que existem num determinado país. Não olha ao seu resultado, mas olha para os inputs: que tipos de mecanismos de coordenação, políticas migratórias e respostas institucionais existem para assegurar uma migração bem gerida. Isto pode contribuir diretamente para os progressos na meta 10.7, daí que tenhamos feito um trabalho com o Governo de consulta alargada e tenhamos publicamos este perfil em final de 2017.

ONU News