Eu sou ONU: do sonho à realidade, a história de Ana Catarina de Jesus

Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Leuven, na Bélgica, Ana Catarina de Jesus conta-nos a sua experiência pessoal e profissional até chegar à ONU. Persistência e força de vontade foram os pontos chaves para este desfecho de sucesso.

ONU Portugal: Poder-me-ia a falar do seu percurso profissional até começar a trabalhar para a ONU?

Ana Catarina de Jesus: Fiz o meu primeiro estágio na área na Embaixada Portuguesa em Pequim enquanto estava a fazer o mestrado em Relações Internacionais e Resolução de Conflitos na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Na altura, estava a especializar-me na área da Ásia/Pacífico e como já tinha vivido na China decidi regressar. Quando acabei o mestrado, em 2017, fui aceite no programa Bluebook da Comissão Europeia na Unidade de Foreign Policy and Instruments Partnerships. Após seis meses, decidi voltar a Lisboa e concorri a um estágio de um ano, no Centro de Monitoramento Europeu para Drogas e Toxicodependência (EMCDDA), na área da gestão de projetos.

O meu sonho sempre foi a ONU, sempre quis ir para o terreno, mas como ainda não tinha experiência profissional e técnica, visto que as vagas no terreno são muito especificas, pensei fazer mais seis meses de estágio em Nova Iorque. Concorri e fui aceite em janeiro de 2019 no United Nations Democracy Fund, UNDEF, que lida com projetos no terreno. Trabalhava em gestão de projetos e como adorei Nova Iorque acabei por ficar lá mais cinco meses num outro estágio que cobria assuntos Humanitários e Direitos Humanos na Representação Permanente de Malta junto das Nações Unidas. Entretanto, em junho desse mesmo ano, fui aceite no programa Junior Professional in Delegation, JPD, e fui colocada em Cabo Verde. Apesar de não ter sido a minha primeira opção, visto que queria ter ido para o Sudoeste Asiático, acabei por gostar desta minha primeira experiência de “terreno”. Tendo em conta que não foi a minha primeira opção, comecei a concorrer para o programa de Voluntários das Nações Unidas, UNV, porque apesar de ter gostado de trabalhar na União Europeia (UE) queria ter uma experiência de terreno “a sério”, ou seja, um país onde pudesse trabalhar mais em Direitos Humanos e assuntos políticos de uma forma mais intensa. Concorri a este programa porque é mais fácil entrar no sistema, apesar de termos de ser persistentes, mas é uma experiência interessante.

ONU Portugal: Como foi o processo de entrada e qualificação para as posições que ocupou até agora na ONU?

ACJ: Em termos de qualificações, tenho a licenciatura em Ciência Política pela Universidade de Lisboa e mestrado em Relações Internacionais pela Universidade Católica de Leuven. Fiz, também, uma pós-graduação em Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e tenho feito cursos online que me ajudam a especializar nas funções que estou a desempenhar. Tirei, também, especialização em gestão de projetos porque acho que é cada vez mais importante nesta área das Relações Internacionais.

Para ser UNV e nesta posição especifica, Associate Political Affairs Officer, só pediam dois anos de experiência anterior, experiência prévia em África, fluência em Inglês e Francês e experiências anteriores em assuntos políticos, nomeadamente, em relatório político e análise de política que eu adquiri quando estive na Embaixada Portuguesa em Pequim e em Cabo Verde.

ONU Portugal: Poderia descrever o seu dia à dia profissional e as funções que desempenha?

ACJ: Ainda estou a aprender a viver neste mundo da diplomacia virtual que é bastante difícil quando se trabalha em assuntos políticos. No dia-a-dia, visto que faço parte da secção de Regiões e Províncias, faço análise política, monotorização política, sobretudo na região leste do Congo que é onde existe conflito. Vou a reuniões com atores políticos ou atores comunitários, por exemplo e como sou portuguesa, às vezes, cubro os assuntos com Angola e Moçambique. O dia à dia é interessante porque é fluido, não existe uma rotina muito estruturada especialmente num país como o Congo que depende dos desenvolvimentos políticos e na área da segurança. Acaba por abordar aquilo que está na agenda, naquele momento.

ONU Portugal: Poderia explicar o que é o political monitoring?

ACJ: O political monitoring é o que fazemos no terreno e como nos envolvemos com os atores políticos de modo a trazer resoluções para os conflitos e problemas que o Congo ainda vive. Neste caso, a divisão política da Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo, MONUSCO, é como se fosse um Think Thank da missão, isto é, enviamos toda a informação para Nova Iorque e, posteriormente, o secretário-geral inclui-a nos seus relatórios em forma de recomendações.

ONU Portugal: O que é que mais a apaixona no seu trabalho com a ONU?

ACJ: Os valores e a missão da ONU. Considero que é a organização que mais espelha aquilo que eu gostava de fazer no futuro e onde me vejo. Claro que como muitas outras também tem problemas com, por exemplo, burocracias que acabam por atrasar processos e projetos. Porém, acredito que o nosso trabalho consegue ter mais impacto porque a ONU está representada em todo o mundo e mais próxima das populações dos países em desenvolvimento.

ONU Portugal: Que recomendações poderia dar a outros a candidatar-se às mesmas posições?

ACJ: No meu caso, sendo que estou no programa de Voluntários da ONU é ir seguindo o website e concorrer até para sítios em que nunca nos imaginamos a trabalhar, como Juba por exemplo. Vim para Kinshasa e muita gente considerou que a cidade é perigosa tendo em que conta que sou mulher, porém encorajo o público feminino a concorrer, pois a ONU teria muito mais a ganhar com mulheres a trabalhar em contextos de conflito porque temos uma aproximação muito mais holística e emocional, no bom sentido, no sentido de querer fazer mudanças positivas. Aconselho, também, a aprendizagem do francês, pois é essencial na organização, o Espanhol e, talvez, a língua local do país. Por exemplo, quando estive em Cabo Verde tentei aprender crioulo porque muitas das populações com quem trabalhava no terreno falavam esta língua.

Quem se candidatar a este programa que esteja de mente aberta porque o processo de recrutamento demora muito tempo, deve-se aceitar o desafio seja em que país for e ver esta oportunidade como uma aprendizagem. A ideia de trabalhar para as sedes da organização ainda está muito enraizada na nossa geração, porém muitas pessoas que trabalham nos escritórios não sabem o que se passa no terreno e depois os projetos acabam por não resultar. Estar no terreno, na minha perspetiva é ter um trabalho muito mais impactante e interessante, aprende-se muito mais e é a porta de entrada para uma posição na sede, no futuro.

Muita gente pensa que o UNV é voluntariado, mas não. O programa é pago e tem pessoas com altas qualificações. Basta ver que existem posições que requerem 5 a 10 anos de experiência, portanto acho que as pessoas não o devem desvalorizar porque, obviamente, será uma vantagem para um dia mais tarde se candidatarem a posições fixas na organização.


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