António Guterres apela à ação para apagar os 5 alarmes de incêndio mundiais

Numa altura em que “a única certeza é mais incerteza”, os países devem unir-se para forjar um novo caminho, que seja mais esperançoso e igualitário, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, à Assembleia Geral na sexta-feira, expondo as suas prioridades para 2022.

“Enfrentamos cinco alarmes de incêndio mundiais, que requerem uma mobilização total de todos os países”, disse Guterres, referindo-se à pandemia da covid-19, a um sistema financeiro global que considera moralmente falido, à crise climática, à ausência de regulamentação do ciberespaço e à diminuição da paz e da segurança no mundo.

O secretário-geral enfatizou que os países “devem entrar em modo de emergência” e que este é o momento para entrarem em ação, porque a resposta que derem a estas questões  determinará os resultados, que experienciaremos nas próximas décadas.

Alarme Nº 1: A batalha covid-19

Parar a propagação do coronavírus tem de estar no topo da agenda política em todos os países, segundo Guterres, apelando aos líderes mundiais para “entrarem em modo de emergência na batalha contra a covid-19”.

Ao mesmo tempo, o vírus não pode ser utilizado como “cobertura” para minar os direitos humanos, para restringir o espaço civil e as liberdades pessoais ou impor restrições desproporcionadas.

“As nossas ações devem ser fundamentadas na ciência e no senso comum”, explicou, acrescentando que “A ciência é clara: as vacinas funcionam. As vacinas salvam vidas”.

No entanto, a desigualdade no acesso às vacinas persiste apesar de uma estratégia global para vacinar 40% das pessoas até ao final do ano passado e 70% até meados deste ano.

Dar prioridade ao COVAX

As nações mais ricas têm taxas de vacinação sete vezes superiores às dos países em África, o que significa que o continente não atingirá o limiar dos 70% até Agosto de 2024.

Erick Kaglan / World Bank

Além disso, embora sejam produzidas 1,5 mil milhões de doses por mês, a distribuição é “escandalosamente desigual”, declarou António Guterres.

“Em vez de o vírus só se espalhar como se se tratasse de um incêndio descontrolado, também as vacinas deveriam acompanhar o seu ritmo e distribuir-se amplamente”, afirmou o líder da ONU, instando todos os países e fabricantes a darem prioridade ao fornecimento relativo à iniciativa de solidariedade COVAX.

O secretário-geral sublinhou também a necessidade de entrar em ação para combater a “praga” da desinformação vacinal e de melhorar a preparação para futuras pandemias, inclusive através do reforço da autoridade da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Alarme 2: Reforma das finanças globais

A pandemia também evidenciou o fracasso do sistema financeiro global, sobre o qual Guterres foi particularmente categórico. “Digamo-lo como é: o sistema financeiro global está moralmente falido. Favorece os ricos e castiga os pobres”.

O sistema financeiro deve assegurar a estabilidade, apoiando as economias em tempos de choques e crises financeiras, tais como as que a pandemia causou. No entanto, o líder da ONU afirmou que o investimento geograficamente assimétrico está a levar a uma recuperação desequilibrada da crise, aprofundando desigualdades entre países.

Simone D. McCourtie / World Bank

Como resultado, os países mais pobres estão a experienciar um crescimento mais lento, enquanto às nações de rendimento médio é negado o alívio da dívida, apesar do aumento dos níveis de pobreza. A maioria das pessoas em situações de pobreza no mundo pertencem ao género feminino e neste momento estão a pagar um preço elevado pela perda de acesso a cuidados de saúde, educação e empregos, acrescentou o secretário-geral da Organização.

Receita para a instabilidade

“A divergência entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento está a tornar-se sistémica, constituindo uma receita para a instabilidade, crises e migrações forçadas. Estes desequilíbrios não são um erro do sistema, mas sim uma característica do sistema financeiro global”, disse.

Desde o início da pandemia, o secretário-geral tem apelado à reforma do sistema financeiro para que melhor apoiasse os países em desenvolvimento. As medidas que recomendou incluem: a reorientação dos Direitos de Saque Especiais do Fundo Monetário Internacional (conhecidos em inglês por Special Drawing Rights ou SDRs, estes consistem num instrumento de moeda artificial utilizado pelo FMI atribuídos aos seus Estados-membros, sendo apoiados pela plena confiança e crédito dos governos destes países) para países que precisam de ajuda atualmente, um sistema fiscal global mais justo e o combate aos fluxos financeiros ilícitos.

O líder da ONU planeia continuar a insistir nesta reforma durante este ano, a qual instou os países a apoiar.

Alarme 3: A emergência climática

Para o secretário-geral, os países não têm outra escolha senão entrar em “modo de emergência” contra a crise climática.

WMO

O mundo está muito atrasado no que toca à limitação do aumento da temperatura global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, tal como está delineado no Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas.

As emissões globais devem ser reduzidas em 45% até ao final desta década para se alcançar a neutralidade carbónica até meados do século, o que requer “uma avalanche de ação” em 2022.

Apoiar a transição verde

Todos os países em desenvolvimento e desenvolvidos que são grandes emissores devem fazer mais e muito mais depressa, explicou Guterres, tendo em conta as responsabilidades que todos têm em comuns, mas também as que são específicas a cada país.

O líder da ONU apelou à criação de coligações que forneçam apoio financeiro e técnico às nações, incluindo algumas classificadas como grandes emissoras, que necessitem de assistência na transição da energia a carvão para as energias renováveis.

Entretanto, todos os governos devem reforçar as suas Contribuições Determinadas a Nível Nacional (CND), os seus planos de ação climática ao abrigo do Acordo de Paris, até cumprirem colectivamente a meta de 45% de redução de emissões.

António Guterres foi claro: “Não podem haver novas centrais a carvão, nem nenhuma expansão na exploração de petróleo e do gás natural. Este é o momento para um aumento sem precedentes do investimento em infraestruturas de energias renováveis, triplicando-o para 5 biliões de dólares anuais até 2030”.

Além disso, os países mais ricos devem finalmente cumprir a sua promessa de fornecer 100 mil milhões de dólares em financiamento climático aos países em desenvolvimento, a partir deste ano.

UNDP/Sumaya Agha

Ação e inspiração

A ação em matéria de adaptação climática é também uma prioridade urgente. Na conferência sobre o clima COP26 em Glasgow, no ano passado, os países comprometeram-se a duplicar o financiamento para os esforços de adaptação em 20 mil milhões de dólares. O líder da ONU chamou a isto “um bom primeiro passo”, embora seja ainda muito curto.

“Os sistemas de acesso e elegibilidade devem ser revistos para permitir que os países em desenvolvimento obtenham o financiamento de que necessitam a tempo”, explicou.

Guterres reconheceu que a resposta às alterações climáticas requer um esforço extraordinário e apontou os jovens como uma fonte de inspiração.

“Como acontece com tantas outras questões, os jovens estão na linha da frente na pressão para o progresso. Vamos responder aos seus apelos com ação”, apelou o secretário-geral aos embaixadores.

Alarme quatro: Tecnologia e ciberespaço

Apesar de os desenvolvimentos tecnológicos oferecerem possibilidades extraordinárias para a humanidade, António Guterres advertiu que “o caos digital crescente está a beneficiar as forças mais destrutivas e a negar oportunidades às pessoas comuns”.

O secretário-geral focou-se na necessidade de expandir o acesso à Internet aos quase três mil milhões de pessoas que ainda estão offline e de abordar riscos como o uso indevido de dados pessoais pelas grandes empresas, a desinformação e o cibercrime.

“A nossa informação pessoal está a ser explorada para nos controlar ou manipular, mudar os nossos comportamentos, violar os nossos direitos humanos e minar as instituições democráticas. As nossas escolhas são-nos retiradas sem sequer o sabermos”, declarou.

O líder da ONU apelou a quadros regulamentares fortes para mudar os modelos de negócio das empresas de comunicação social que “lucram com algoritmos que dão prioridade ao vício, aos insultos e à ansiedade à custa da segurança pública”.

O secretário-geral propôs o estabelecimento de um Pacto Digital Global, reunindo governos, o setor privado e a sociedade civil, para se chegar a um acordo sobre princípios-chave que sustentarão a cooperação digital a nível mundial.

Uma outra proposta é a de um Código Global de Conduta para acabar com a divulgação de notícias falsas e a guerra à ciência, promovendo a integridade na informação pública, inclusivamente nos espaços digitais.

Os países são também encorajados a intensificar o trabalho relativo à proibição de armas autónomas letais ou de “robôs assassinos” e a começar a considerar novos quadros de governação para a biotecnologia e a neurotecnologia.

Alarme 5: Paz e segurança

Com o mundo a enfrentar atualmente o maior número de conflitos violentos desde 1945, a paz é extremamente necessária.

Também nesta frente, os países devem agir face a desafios como o ataque aos direitos humanos e ao Estado de direito; o populismo crescente, o racismo e o extremismo; e a escalada das crises humanitárias, alimentadas pelas alterações climáticas.

António Guterres realçou o compromisso da ONU com a paz, comprometendo-se a não poupar esforços na mobilização da ação internacional em numerosas áreas em todo o mundo.

MINUSCA/Hervé Serefio

No Afeganistão, por exemplo, o objectivo é dar apoio à população, injetar dinheiro para evitar o colapso económico do país, assegurar o pleno respeito pelo direito internacional e pelos direitos humanos (particularmente, os das mulheres e raparigas) e combater eficazmente o terrorismo.

Unidade do Conselho de Segurança

Salientando que “este mundo é demasiado pequeno para tantas áreas quentes”, Guterres apelou a um Conselho de Segurança das Nações Unidas unido para enfrentar estes desafios.

“As clivagens geopolíticas devem ser geridas para evitar o caos em todo o mundo. Precisamos de maximizar as áreas de cooperação enquanto estabelecemos mecanismos robustos para evitar uma escalada”, expressou o secretário-geral.

A ONU está também a trabalhar para assegurar que as mulheres estejam no centro da prevenção de conflitos, da pacificação e da construção da paz e que estejam envolvidas na tomada de decisões e na mediação em torno dos processos de paz.

Dado o elevado número de conflitos em todo o mundo, o líder das Nações Unidas apelou a um maior investimento na prevenção e construção da paz, sublinhando a necessidade de uma ONU forte e eficaz.

A Organização fez progressos significativos em matéria de reformas nos últimos anos, afirmou, apelando à ação e ao apoio contínuo dos estados-membros, particularmente para o orçamento anual do programa.


Direito Internacional e Justiça

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