Implementação dos ODS em Portugal: 62% das metas estão “no sentido certo”

 

Em julho próximo, Portugal apresenta junto das Nações Unidas o 2º Relatório Voluntário Nacional sobre a implementação da Agenda 2030 e dos respetivos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A ONU Portugal falou com o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros que desvendou algumas das principais conclusões deste relatório e explicou como através de uma nova metodologia se alargou a participação dos vários agentes da sociedade civil. 

André Moz Caldas adiantou ainda que o Governo de Portugal está já a preparar um roteiro nacional para o desenvolvimento sustentável que traçará as prioridades do país para os próximos anos e contribuirá para as discussões nas grandes Cimeiras internacionais que terão lugar em 2024 e 2025.  

Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros é o membro do Governo responsável por coordenar internamente as atividades de reporte da implementação da Agenda 2030 em Portugal.

ONU Portugal: Este ano, assinalamos o meio caminho (midpoint) da implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e Portugal, pela segunda vez, apresenta o seu Relatório Voluntário Nacional às Nações Unidas, em julho, em Nova Iorque. O que é que pode adiantar relativamente a este relatório?  

Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: Este é um relatório que vai apresentar profundas diferenças face ao primeiro relatório voluntário nacional que versava sobretudo sobre o percurso que percorremos desde a adoção, em 2015, da Agenda, a sua entrada em vigor, em 2016, e estava fundamentalmente centrado na ação do governo central e nas políticas públicas.  

O relatório que agora pretendemos apresentar partiu da vontade de ter uma dupla abordagem, alinhando todas as camadas do governo nacional, regional e local e de toda a sociedade, trazendo os contributos de todos os atores relevantes para a elaboração do relatório. Por isso, criámos um modelo institucional que permite, de forma permanente, chamar a um órgão de monitorização e de acompanhamento os representantes destes atores, portanto, do Governo da República, dos governos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, dos representantes dos municípios e das freguesias, dos representantes do Conselho Económico e Social e de personalidades de reconhecido mérito na área do desenvolvimento sustentável. Isto permitiu lançar uma metodologia que trouxe para o processo todos os intervenientes relevantes e, portanto, este já não vai ser apenas um relatório do Governo português, é verdadeiramente um relatório nacional que expressa o empenho de todos os atores públicos e privados no caminho da Agenda 2030.  

Aquilo que nós podemos constatar, em primeiro lugar, é que a 62% das metas estão a evoluir no sentido desejado, não obstante os impactos quer da pandemia da covid-19, quer mais recentemente da invasão da Ucrânia pela Rússia. Apenas 11% das metas estão a dirigir-se no sentido contrário àquele que era o desejado, objetivos que continuam a ser centrais para Portugal. Mas acima de tudo, conseguimos um levantamento de informação muito mais alargado, uma vez que o Instituto Nacional de Estatística está a monitorizar muitos mais indicadores para esta edição do relatório, tendo já uma cobertura em torno dos 70% de indicadores e de metas. Portanto, representa uma realidade muito mais sólida, sem prejuízo de termos aprendido que alguns dos indicadores precisam de algum trabalho para melhor expressar verdadeiramente aquilo que é a situação do país. 

Para além disso, o que este relatório tem de mais robusto é precisamente responder às limitações do relatório anterior e ter a ambição de o superar largamente. Creio que é um objetivo conseguido porque foi utilizado como catalisador deste novo modelo de acompanhamento e de monitorização da implementação da Agenda, contendo um manancial de informação que vamos poder utilizar durante a segunda metade do ciclo. 

 

ONU Portugal: Em relação às prioridades do Governo de Portugal, o primeiro relatório definia alguns ODS prioritários para a implementação de políticas públicas. É expectável que haja novos ODS que passem a ser também por prioritários? 

SEPCM: Não exatamente, mas há uma ligeira diferença de abordagem. Nós não deixamos de considerar prioritários aqueles que em 2017 afirmámos como tal, mas constatamos que, como referencial de políticas, a Agenda 2030 tem características únicas, isto é, não só é altamente abrangente como está construída assumindo quer as interligações entre os diferentes objetivos, quer acima de tudo, as ligações entre eles. Portanto, apresentamos um relatório enunciando os progressos em todos os objetivos, porque, na verdade, alguns são sinérgicos entre si, outros são conflituantes, mas a Agenda do nosso ponto de vista só faz sentido como um todo. Não obstante, podemos apontar aqui e ali algumas apostas que o multilateralismo internacional não permitiu consagrar ainda neste referencial e que Portugal não perdeu a ambição que possam vir a ser consideradas noutras fases da nossa vida coletiva.  

No entanto, deixaremos de apresentar os objetivos como mais prioritários uns que outros e faremos uma análise global. Isto, a nosso ver, permite uma leitura mais adequada da natureza da Agenda, mas aquilo que nós conseguimos verificar é que nalguns objetivos prioritários progredimos bem, e temos algum orgulho dos passos que demos e dos resultados que alcançámos, mas há outros onde enfrentamos grandes desafios e por isso também é que eram prioritários, porque permitiam responder àquilo que eram necessidades ainda de desenvolvimento do país.  

Acima de tudo, aquilo que constatamos é que a Agenda deve ser acompanhada como um todo, sem deixarmos a descoberto alguns dos objetivos que possam não estar mais no topo da agenda nacional, mas que não podem deixar de ser também considerados, porque a responsabilidade que temos não é com 2, 3, 4 ou 5 objetivos, é com os 17 e, portanto, devemos continuar a olhar, a nosso ver, dessa maneira para o conjunto da agenda. 

O Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros adiantou que está a ser elaborado um roteiro nacional para o desenvolvimento sustentável que apontará caminhos concretos para a aceleração do cumprimento da Agenda 2030 e que ajudará a construir as metas intermédias com que Portugal se comprometerá na Cimeira da Sustentabilidade da ONU.

 

ONU Portugal: Como tem sido, na sua opinião, o contributo da sociedade civil portuguesa para a implementação da Agenda? Como tem corrido a cooperação e a colaboração com o Governo?  

SEPCM: Eu estou convencido de que os setores mais dinâmicos da sociedade civil perceberam a importância da agenda bem antes do setor público. Essa é, aliás, uma das forças do relatório que Portugal vai apresentar: o trabalho dos municípios e das freguesias, em particular dos municípios que com a plataforma ODSlocal e com outras iniciativas de grande fôlego, como a criação de uma secção de ODS na Associação Nacional de Municípios Portugueses, que já tem perto de 90 municípios participantes e com quem trabalhámos durante a elaboração do relatório.  

Esta análise colocou em evidência a forma como a sociedade civil aborda a sua participação e o seu dever de contribuir para a implementação da Agenda que é ainda relativamente assimétrica. Nas empresas constatámos que os setores mais dinâmicos continuam a acompanhar aquilo que foi a dinâmica inicial, mas que fora do contexto das grandes empresas, e muito em particular das multinacionais, a importância da sustentabilidade e da Agenda 2030 ainda não está incorporada nas estratégias do setor empresarial, muito em particular, nas pequenas e médias empresas. O que no tecido económico como o português, particularmente caracterizado por pequenas e médias empresas, significa ainda um desafio importante para a segunda metade do ciclo. 

Na Academia, notámos que os currículos académicos já estão impregnados dos contributos da Agenda 2030, mas a governança das próprias instituições de ensino superior, por exemplo, só agora mais recentemente é que começou a incorporar as preocupações de sustentabilidade, sem prejuízo de algumas universidades que foram pioneiras nesses domínios com iniciativas de grande relevância. Percebemos que existem vários ritmos na sociedade civil de implementação, o setor das organizações não governamentais, e muito bem, incita o Governo a fazer mais e eu acho que um dos desafios, uma das lições aprendidas, é de que modo é que nós construímos ferramentas permanentes de envolvimento das partes interessadas relevantes, de modo a gerar maior capacitação e apropriação da Agenda 2030 sobre todos os agentes públicos e privados que têm responsabilidade na sua implementação.  

Estou convencido de que no setor público a dinâmica é crescente e já muito decisiva e que esse elã não se vai perder, muito pelo contrário, este novo modelo de governação até o potencia. No setor privado temos de trabalhar no modo de envolvimento permanente, porque corremos o risco de aqueles que foram mais dinâmicos no início sintam agora que há uma invasão dos poderes públicos do espaço que anteriormente ocupavam e que os demais não se sintam devidamente envolvidos, o que pode atrasar o ritmo de implementação da Agenda no nosso país. 

 

ONU Portugal:  As Nações Unidas reconhecem que o ritmo de implementação da Agenda e dos respetivos ODS não está a acontecer a um ritmo desejável, por isso, criou a Década de Ação, numa tentativa de acelerar esta implementação. Neste relatório, Portugal explica de que forma pretende acelerar a implementação da Agenda? 

SEPCM: O relatório nessa medida, aponta alguns caminhos e centra-se naquilo que são os nossos planos para a segunda metade deste ano. Nós temos a responsabilidade de construir um roteiro nacional para o desenvolvimento sustentável até ao final do ano. Esse será verdadeiramente um mapa das estradas em que apontaremos caminhos concretos de atuação no sentido de aceleração do cumprimento da Agenda e que ajudarão a construir as metas intermédias com que o país se comprometerá na Cimeira da Sustentabilidade, em setembro próximo, à margem da Assembleia Geral.
Portanto, estamos a preparar um documento de estratégia e de aceleração da Agenda e até de revisão e adaptação também de alguns indicadores a uma monitorização mais adequada, mais fina e mais permanente da evolução, da implementação de políticas públicas, mas também do impacto daquilo que são as estratégias do setor privado no sentido de acelerar a Agenda. 

Vamos continuar a fazê-lo anualmente no quadro da Cimeira do Futuro, no quadro depois da Cimeira Social Mundial, respetivamente em 2024 e em 2025, e, portanto, vamos ter um caminho plurianual de atuação e momentos próprios de apresentação no quadro do sistema das Nações Unidas, dos nossos progressos. Mas a grande peça nesse domínio não será o relatório, pelo contrário, será o roteiro que preparemos mais no fim do ano e que podemos levantar um bocadinho do véu no Dia Nacional da Sustentabilidade que o Governo aprovou muito recentemente e que será o dia 25 de setembro, que foi o dia em que a Agenda 2030 foi adotada nas Nações Unidas. 

 

ONU Portugal: De que forma é que o Governo se organizou para melhor a coordenação entre os vários ministérios e os vários níveis de administração para assegurar uma melhor implementação e monitorização desta Agenda? 

SEPCM: Um dos riscos que nós diagnosticámos para efeitos de monitorização da Agenda era de que um dos 3 pilares do desenvolvimento sustentável pudesse ter a tentação de se sobrepor aos outros. Portanto, procurou-se encontrar uma área governativa, e a escolha recaiu sobre a nossa, que pudesse ter equidistância relativamente aos 3 pilares do desenvolvimento e que pudesse olhar de forma transversal para os 3 com igual importância. 

Entendeu-se que, em linha com uma política que já é de concentração de algumas responsabilidades de planeamento nos chamados centros do Governo, a Presidência do Conselho de Ministros era ao nível interno, a área governativa que podia assumir essa posição. Portanto, sem prejuízo das competências da área governativa dos Negócios Estrangeiros, na vertente externa e na vertente da cooperação da Agenda, que são vertentes decisivas, do ponto de vista interno, as responsabilidades foram atribuídas à Presidência do Conselho de Ministros.  

Ao mesmo tempo, beneficiámos da circunstância de ter sido recentemente criado um centro de competências de planeamento, perspetiva e avaliação de políticas públicas, o PlanAPP. Este visa dotar a administração pública portuguesa de capacidades nestes domínios e este relatório é um dos mais acabados produtos do sucesso dessa política. Foi o PlanAPP que tecnicamente, coordenou a definição da metodologia, a elaboração do relatório, com o apoio logístico da  Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, naturalmente, e com envolvimento da Direção-Geral de Política Externa, do Instituto Camões e do Instituto Nacional de Estatística.  

Ao nível da coordenação política, como dizia, foi criada há pouco a tal comissão de acompanhamento do Governo com a PCM, os Negócios Estrangeiros e a Cooperação e representantes da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, da Associação Nacional de Freguesias, dos Governos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, do Conselho Económico e Social e 3 personalidades com uma vida no domínio do desenvolvimento sustentável. Isto permitiu que todos os atores relevantes estivessem representados e que, de alguma maneira, abrissem portas para os setores que representam.  

Fizemos ainda um périplo nacional que foi a todas as regiões com a colaboração das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e dos Governos  das Regiões Autónomas e de alguns municípios visitados, em que fizemos assembleias participativas e visitámos boas práticas e projetos com impacto na implementação da Agenda, mas também depois um ciclo relevante da audições formais na Assembleia da República, que se envolveu, desde logo, com grande entusiasmo, o Presidente da Assembleia da República, mas também uma reunião de Comissão no Conselho Económico e Social e uma reunião plenária da secção de ODS da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Portanto, cada um dos membros sentiu como sua responsabilidade criar espaços de intervenção e de acesso aos setores que representavam, alargando o envolvimento das partes interessadas neste processo. Sem prejuízo, obviamente de se terem mantido as reuniões formais nos órgãos colegiais do governo, a reunião de Secretários de Estado e o próprio Conselho de Ministros discutiram mais do que uma vez o relatório. Assim, todas as áreas governativas puderam participar de uma maneira muito viva naquilo que vamos apresentar às Nações Unidas.  

 

Veja a entrevista na íntegra:


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