Mulheres em Gaza: esperança num momento de adversidade 

Três mulheres palestinianas falam sobre o impacto da guerra em Gaza na vida das mulheres, num contexto de fome crescente e de apelos a um cessar-fogo imediato.

 

A vida em Gaza é hoje irreconhecível, entre crescentes apelos ao fim da guerra e à implementação da mais recente resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esta exige um cessar-fogo imediato em Gaza, a libertação imediata e incondicional de todos os reféns e o acesso seguro e desimpedido a ajuda humanitária.

Atualmente, mais de um milhão de pessoas estão a viver uma catástrofe que originou fome extrema e escassez de água, de saneamento, de abrigo e de medicamentos. Os maiores especialistas mundiais em insegurança alimentar alertam para a fome “iminente” no norte de Gaza. No entanto, as Nações Unidas não podem prestar ajuda humanitária numa escala que se aproxime da necessária, uma vez que, não só o acesso da Organização à área é limitado, como também Gaza está a ser fortemente bombardeada pelas forças israelitas.

Por cada dia de guerra em Gaza, em média, 63 mulheres perdem a vida.

 

A vida em Gaza antes da guerra

Shahd Sataria, defensora dos direitos humanos da Sociedade de Mulheres Trabalhadoras Palestinianas para o Desenvolvimento (PWWSD) na Cisjordânia, recorda a Gaza da sua infância entretanto destruída pela guerra.

Sataria nasceu e cresceu na Cisjordânia, mas a sua mãe é natural do campo de Jabalia, em Gaza. Até 2004, visitava Gaza todos os verões.

“A última vez que estive em Gaza, tinha nove anos”, explica Sataria. Desde então, foi difícil para a família obter uma autorização para visitar Gaza. “Tem sido uma luta durante toda a minha vida e faz parte da minha identidade.”

“Em Gaza, vai-se para visitar o mar” recorda Sataria. “Somos famílias grandes. Juntávamo-nos em casa da minha avó e dormíamos em colchões velhos [no chão]… eram noites fantásticas”.

Sataria lembra-se de brincar com os primos, de saltar do quintal improvisado da avó para a casa do tio que ficava ao lado. Lembra-se das plantas, do mar azul profundo, das noites cheias de histórias e de muitas canções. De manhã, as mulheres da família reuniam-se à volta da avó, a conversar.

Rana Khalil esteve na sede das Nações Unidad em Março de 2024 Foto: UN Women/Ryan Brown

 

ONU Mulheres e as suas atividades em Gaza

Sataria não pôde ver a sua avó antes de ela morrer. Não tinha autorização para visitar Gaza.

“As mulheres perderam o acesso à educação, a oportunidade de participar na tomada de decisões e de ter uma voz ativa na sociedade”, disse ela. “Também perderam os serviços de saúde e as que tentavam fazer FIV [fertilização in vitro para engravidar] tiveram de parar o processo a meio.”

“Já não vejo ruas. Não vejo escolas e universidades… Não vejo as mulheres a terem tempo para cuidar de si próprias. Deixaram de conseguir aproveitar as pequenas coisas do dia a dia”. – Shahd Sataria

As mulheres perderam também a sua privacidade em abrigos sobrelotados e o acesso a espaços seguros quando são vítimas de violência.

A PWWSD, um parceiro na execução das ações da ONU Mulheres, presta apoio psicossocial, assistência financeira e outros serviços a mulheres e jovens. Desde o ataque do Hamas a Israel, a 7 de outubro de 2023, seguido dos ataques das Forças Armadas israelitas a Gaza, a ONU Mulheres ajudou quase 100 mil mulheres e respetivas famílias com alimentos, cobertores, roupas de inverno, produtos de higiene e artigos sanitários.

A ONU Mulheres apoia também as organizações de mulheres palestinianas que continuam a ser agentes ativos para influenciar e participar na resposta humanitária. A organização lidera também os esforços nacionais de coordenação de género para garantir que as necessidades e os direitos das mulheres e jovens sejam integrados nas ajudas de emergência.

 

O caminho de Gaza para a reconstrução

Mais de 70% das infraestruturas civis de Gaza – incluindo casas, hospitais, escolas e instalações de água e de saneamento – foram destruídas ou gravemente danificadas.

Mayadah Tarazi, que trabalha com a YWCA Palestina, questiona-se sobre quantos anos, ou décadas, serão necessários para reconstruir Gaza. “Vai levar tempo para reconstruir Gaza… Esta é a pior guerra”. Os habitantes de Gaza estão a esperar regressar, mas as suas casas, empresas e serviços estão submersos em escombros.

“Viver na Cisjordânia e em Jerusalém não é fácil”, acrescentou Tarazi. “Atravessar os postos de controlo todos os dias não é fácil”. Segundo ela, as crescentes restrições e os postos de controlo tornaram as distâncias mais longas e a prestação de serviços mais difícil.

 

Gaza: uma catástrofe humanitária

Todos passam fome em Gaza. Mais de metade dos palestinianos – 1,1 milhões de pessoas – esgotaram completamente as suas reservas alimentares. A fome atinge as mulheres de forma diferente – quase 9 em cada 10 mulheres têm mais dificuldade em aceder a alimentos do que os homens, de acordo com dados da ONU Mulheres.

“A fome está a matar inúmeras pessoas em Gaza, especialmente no norte” – Rana Khalil

Tarazi tem familiares em Gaza, alojados numa igreja: “As quantidades de alimentos são muito limitados. Não têm alimentos, não têm farinha.” Quando recebem um pouco de farinha e conseguem cozer pão e é isso que toda a família come durante dois dias.

Rana Khalil, coordenadora de projetos da PWWSD, sediada na Cisjordânia, sente alguma dificuldade em alimentar-se nestes dias: “O que mais me preocupa é que a fome está a matar muitas pessoas em Gaza, especialmente no norte.”

Khalil também tem familiares e raízes em Gaza, a maioria dos quais estão deslocados e com muita dificuldade em aceder a comida ou água suficientes.

Khalil contou como as mulheres em Gaza não conseguem satisfazer as suas necessidades mais simples ou as mais básicas que tomamos como garantidas: “Tomar um duche. Ir à casa de banho. Comer bem. Ouvir música… Ter pensos [higiénicos]… Mudar de roupa…” acrescentar link que está no artigo

“A esperança é que haja um cessar-fogo já. Continuamos a apelar ao cessar-fogo, mas precisamos vê-lo a acontecer.” – Mayadah Tarazi

Grande parte das infraestruturas civis de Gaza foram destruídas ou gravemente danificadas.

Esperança num momento de adversidade

Apesar do horror da morte, da destruição e da fome, as mulheres palestinianas falam de esperança.

“Acredito que as pessoas em Gaza são resilientes. Se a guerra acabasse hoje ou amanhã, acredito que se ergueriam”, disse Sataria.

“A esperança é que haja um cessar-fogo agora. Continuamos a apelar ao cessar-fogo, mas precisamos de ações concretas. Precisamos do apoio dos governos para fazer pressão nesse sentido, porque esta situação não pode continuar assim”, alerta Tarazi.

“Acreditamos nas Nações Unidas e acreditamos que as pessoas estão connosco”, acrescenta Khalil.”

 

*Artigo original da autoria da ONU Mulheres