O atentado ao Hotel Canal em Bagdade, 20 anos depois

Desde o episódio trágico que vitimou o enviado especial Sérgio Vieira de Mello e outros 21 funcionários humanitários que é assinalado o Dia Mundial da Ajuda Humanitária a 19 de agosto. Nesta data, celebra-se a determinação e a coragem dos trabalhadores humanitários, sem nunca esquecer o sofrimento de quem estava presente no dia do ataque terrorista mortal contra os escritórios da ONU no Hotel Canal  no Iraque, em 2003. Ou daqueles que sobreviveram e hoje refletem sobre o que esse dia lhes ensinou.

Quem vive para contar a história

Khaled Mansour, hoje escritor e jornalista, era há 20 anos o porta-voz do Programa Alimentar Mundial (PAM) no Iraque. Foi por pouco que escapou à explosão que matou 22 dos seus colegas da ONU e recorda os “imensos danos psicológicos” que o assombraram nos anos seguintes.

“O ataque terrorista contra a sede da ONU em Bagdade devastou-me, por um lado, mas também reconfigurou radicalmente a forma como penso a minha vida e o esforço da ajuda humanitária.

Estava no meu carro, a regressar ao escritório, e a poucas centenas de metros do edifício quando este foi bombardeado e se desmoronou rapidamente. Não sofri danos físicos, mas os danos psicológicos foram imensos.

Os colegas com quem trabalhei apenas algumas horas antes foram pulverizados ou os restos dos seus corpos jaziam debaixo de lençóis no parque de estacionamento. Por vezes, ainda me sinto assombrado pelo sangue e pelos pedaços de corpos em que toquei enquanto percorria os corredores escuros cobertos de pó.

Passei o resto da tarde e a noite a conduzir com um colega iraquiano pelos arredores de Bagdade para ver como estavam os feridos, pô-los em contacto com as suas famílias e confortá-los.

Estava muito zangado com a ONU, com os terroristas estúpidos e assassinos e, provavelmente, em última análise, comigo próprio, por ter sobrevivido enquanto outros 22 não sobreviveram.

Olhando para trás, para o que aconteceu, continuo a sentir-me triste com a enorme perda de vidas e de potencial, mas também aprendi muito e pude voltar a trabalhar em zonas de conflito e pensar de forma mais crítica sobre a razão pela qual isto aconteceu e se poderia ter sido evitado.“

Ponto de viragem para a Ajuda Humanitária

O atual secretário-geral da ONU, António Guterres, refere que a tragédia de 19 de agosto de 2003 marcou uma clara mudança no modo como os trabalhadores humanitários operam. Desde então, passaram a ser vistos como alvos.

Nas últimas duas décadas, o volume de operações humanitárias tornou-se 10 vezes maior. Atualmente, as operações humanitárias globais procuram chegar a 250 milhões de pessoas em 69 países. No entanto, a violência para com os trabalhadores humanitários continua a ser uma realidade.

Segurança dos Trabalhadores Humanitários

O Escritório da ONU para os Assuntos Humanitários chama a  atenção para os números alarmantes de ataques contra profissionais do setor. Só este ano 62 trabalhadores humanitários foram mortos, 84 feridos e 34 sequestrados ao redor do mundo.

António Guterres enumera ainda os vários desafios enfrentados pela ajuda humanitária, tais como “o aumento das tensões geopolíticas, um flagrante desrespeito ao direito internacional humanitário e pelos direitos humanos e ataques deliberados potenciados por campanhas de desinformação.”

Limitações da Ajuda Humanitária

Mesmo depois de meses de baixa e de um regresso à “vida normal”, Khaled Mansour refere que sente que o dia do atentado ao Hotel Canal a 19 de agosto de 2003  o mudou para sempre. “Gosto de pensar que me tornei uma pessoa mais sensível e atenciosa, também mais reflexiva sobre as limitações do trabalho humanitário.”

No Dia Mundial da Ajuda Humanitária, a ONU apela à proteção, ao bem-estar e à dignidade de todas as pessoas afetadas por crises, bem como à segurança e proteção dos trabalhadores humanitários que as apoiam.

 

Para mais informações sobre este dia, aceda ao link.

Aceda ao artigo original publicado pela ONU News e a sua versão em português.

 


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