O impacto global da guerra na Ucrânia

Um impacto “global e sistémico”. É desta forma que o secretário-geral da ONU, António Guterres, caracteriza o impacto do conflito na Ucrânia. Numa altura em que o mundo presta atenção a tópicos como o sofrimento, a destruição e as mortes causadas pela guerra, há uma crise tridimensional que está a afetar as pessoas, os países e as economias mais vulneráveis: uma crise alimentar, energética e financeira. 

Este cenário vem agravar a situação já frágil dos países em desenvolvimento, que estão ainda a recuperar dos efeitos da pandemia da covid-19, a lidar com os efeitos das alterações climáticas e a gerir impactos financeiros em contextos de desigualdades. 

Ao apresentar o relatório do Grupo de Resposta à Crise Global em tópicos como a alimentação, a energia e as finanças, António Guterres fez três recomendações para tentar mitigar o impacto da guerra. “Não podemos tornar a situação pior; devemos usar este momento para criar a mudança transformacional que o mundo precisa; precisamos de tirar os países em desenvolvimento da crise financeira”. 

Em que se traduzem estas mensagens? Explicamos ponto a ponto. 

© UNICEF/Bullen Choi

A crise alimentar 

Em 36 países, onde se incluem alguns dos mais pobres e vulneráveis do mundo, mais de metade das importações de trigo provêm da Rússia e da Ucrânia. 

Colocam-se desafios ao nível da produção e da exportação de alimentos, que começam a estar com disponibilidade reduzida e, em consequência, a sofrerem um aumento de preços. 

Os pequenos agricultores veem-se restringidos dos materiais que precisam para cultivar, bem como de fertilizantes, efeitos negativos que se podem vir a sentir no mercado no próximo ano.  

Os países, ao fecharem os mercados, podem criar um efeito dominó e provocar restrições nas trocas comerciais e nas exportações. 

Quando o secretário-geral da ONU refere que “não podemos tornar a situação pior”, o conselho é o de que se continue a garantir um fluxo constante da alimentação ao continuar com os mercados abertos, levantando todas as restrições que não sejam necessárias. “Isto significa um controlo nos preços e tranquilizar a volatilidade dos mercados alimentares”. 

© FAO/Anatolii Stepanov

A crise energética 

O preço do petróleo aumentou em mais de 60% ao longo do ano de 2021. Já o gás natural sofreu, nos últimos meses, um aumento de 50% nos preços, sendo a Rússia um dos maiores fornecedores de energia no mundo.  

O aumento destes preços tem consequências a longo prazo e pode ser um ponto de retrocesso no caminho para a descarbonização, já que as empresas podem direcionar os seus investimentos para indústrias provenientes de energias fósseis.  

“Usar este momento para criar a mudança transformacional que o mundo precisa” é, como explicou António Guterres, “trabalhar na eliminação progressiva do carvão e de outros combustíveis fósseis e acelerar a utilização de energias renováveis”. 

Os países devem ainda tentar resistir ao açambarcamento e libertar reservas energéticas. 

© World Bank/Gennadiy Kolodkin

A crise financeira 

O relatório sustenta que “estamos perto de uma crise de dívida global”. 

Com a inflação a subir, o poder de compra e as perspetivas de crescimento estão a diminuir. As economias em desenvolvimento são as mais afetadas, vendo os seus níveis de dívida a aumentar e vendo alterações nas suas taxas de câmbio. 

Esta situação pode criar um ciclo vicioso de inflação e estagnação.  

“Tirar os países em desenvolvimento da crise financeira” significa alocar os fundos à disposição das economias que mais precisam deles, para que os governos possam evitar incumprimentos de pagamentos.  

Os mais vulneráveis devem ainda ser apoiados socialmente e devem continuar a ser feitos investimentos no desenvolvimento sustentável.  

 

As recomendações do relatório 

O relatório apresenta recomendações em quatro vertentes: 

  1. Apela a todos os países que continuem a empenhar-se em soluções multilaterais que possam colmatar as necessidades alimentares, energéticas e financeiras, sendo que os atrasos numa ação coletiva podem exacerbar a situação de crise; 
  1. Apela aos países e a todos os parceiros que reconheçam esta crise como global, pelo que o pensamento e as soluções devem ser encaradas não numa perspetiva individual, mas numa perspetiva abrangente; 
  1. Pede que se faça um uso imediato de todos os recursos existentes para apoiar os países diretamente afetados pela guerra, não esquecendo as consequências globais desta guerra nos países em desenvolvimento. 
  1. Apela não só aos países, mas também ao setor privado, à sociedade civil e aos setores da filantropia que ajudem as populações mais vulneráveis e que sejam agentes ativos na procura de soluções. Intervenções fragmentadas não conduzem a bons resultados. 

“As pessoas mais vulneráveis no mundo não podem tornar-se danos colaterais em mais um desastre sob o qual não têm qualquer responsabilidade. Precisamos de silenciar as armas e acelerar as negociações de paz, agora. Pelas pessoas da Ucrânia, pelas pessoas da região, e pelas pessoas do mundo”, finalizou António Guterres.  


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