Relatores pedem ao Mali para erradicar “escravidão baseada em ascendência”

“Nada pode justificar a continuidade da prática da escravidão.” Esta foi a afirmação do relator independente* sobre a situação dos direitos humanos no Mali, Alioune Tine, e de Tomoya Obokata, relator especial sobre formas contemporâneas de escravidão incluindo causas e consequências.

Os dois pediram uma investigação imediata e imparcial para apurar a morte de quatro homens na região de Kayes, num ataque em 1 de setembro.

Alioune Tine, relator independente sobre a situação dos direitos humanos no Mali. Foto: Minusma/Mikado FM

Incidentes

Em comunicado, eles condenaram “atos bárbaros e criminosos que violam o direito à vida, à integridade física e à dignidade humana”. Segundo eles, essas violações não podem ficar impunes. 

Os quatro homens considerados “nascidos em escravidão” foram espancados até a morte. Uma mulher de 80 anos e um casal ficaram gravemente feridos no ataque.

Ambos os relatores pediram às autoridades malianas que façam justiça às vítimas.

Um dos homens assassinados, 69 anos, considerado escravo, havia ganhado uma ação na justiça sobre disputa de terra contra um imã, um líder religioso islâmico. Alguns membros da comunidade discordaram da decisão judicial e cercaram a casa das quatro vítimas fatais.

Famílias escravagistas

Segundo os relatores, 11 pessoas foram presas. O Código Penal do Mali descreve escravidão como crime contra a humanidade. Oficialmente, a prática foi abolida no país em 1905. Mas para os especialistas da ONU, o sistema maliano de escravidão baseada em ascendência persiste. 

As pessoas são consideradas “nascidas em escravidão” por causa de seus antepassados “capturados como escravos” e por isso essas pessoas eram tidas como “propriedades das famílias escravagistas por gerações”. Nessas condições, o ser humano é obrigado a trabalhar sem salário, pode ser “oferecido como herança” e é desprovido de direitos humanos básicos.

No ano passado, um integrante da uma organização que combate a escravidão foi expulso do vilarejo dele na região de Kayes sob ordens do chefe do local. 

ONU/Harandane Dicko

Policiais da ONU patrulham na região de Menaka, no nordeste do Mali.

Defensores e ativistas

Cerca de 50 pessoas que contestaram o status delas como “escravas” foram obrigadas a fugir para um outro vilarejo. Para os relatores, a situação prova a falha do Mali em implementar compromissos internacionais de proteção dos direitos humanos. Segundo os especialistas, em alguns casos os chefes tradicionais e autoridades locais são cúmplices nesses ataques.

Os relatores especiais, Alioune Tine e de Tomoya Obokata, pediram ao Mali para adotar, o mais rapidamente possível, uma lei específica que criminalize a escravidão como aconteceu com outros países da região incluindo Níger e Mauritânia.

les disseram que o Mali deve parar de punir defensores de direitos humanos e ativistas que lutam contra a escravidão baseada em ascendência e começar a enfrentar líderes religiosos e tradicionais que continuam com as práticas horrendas.
 
*Relatores de direitos humanos são independentes das Nações Unidas e não recebem salário pelo seu trabalho.


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