“Trabalhar em prol da comunidade é gratificante”

Começou a trabalhar em emergência humanitária com 14 anos. Passou por vários locais até chegar ao seu “trabalho de sonho”, o OCHA, o escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários. Vera Goldschmidt Ferreira é portuguesa e está, neste momento, em missão na Guatemala. No âmbito do Dia Mundial da Ajuda Humanitária, assinalado a 19 de agosto, falou com a ONU Portugal sobre o seu percurso, sobre o trabalho do OCHA e sobre os desafios que os trabalhadores humanitários enfrentam. Dá ainda alguns conselhos a quem queira seguir esse caminho. 

Veja, aqui, a entrevista na íntegra. 

Como descreve o seu percurso até chegar à OCHA? 

Comecei no OCHA em janeiro de 2016, mas desde 2006 que quis trabalhar ali, desde que fiz um curso para pertencer às equipas de resposta a catástrofe das Nações Unidas, as UNDAC, ainda em Portugal. Nessa altura apaixonei-me pelo OCHA e pelo seu mandato. Trabalho em emergências desde os meus 14 anos. Fui fundadora da Juventude da Cruz Vermelha com essa idade e, portanto, tenho uma paixão por tudo o que se relacione com emergência nas suas várias fases. Sou da Proteção Civil Portuguesa, estive no INEM, estive na Proteção Civil Europeia, estive na Organização Internacional para as Migrações (OIM) até chegar à OCHA. Era o meu grande sonho trabalhar nesta organização e trabalhar nas Nações Unidas, que é um orgulho enorme.  

O que destacaria do trabalho deste escritório das Nações Unidas? 

Somos um pequeno escritório, estamos inseridos no secretariado das Nações Unidas e o nosso grande papel é garantir que os esforços humanitários são prestados de forma coordenada, de maneira a evitar duplicações e, sobretudo, a evitar brechas, ou seja, que haja zonas que não são cobertas. Cabe-nos garantir que nos sentamos todos à mesma mesa, temos uma visão comum sobre qual é a situação. Garantir que se prepara a resposta de forma coordenada. Isso permite cobrir mais e melhor as necessidades. Somos um escritório neutral, que nos permite ser coordenadores do sistema. Recolhemos também dados: como está a situação, onde estão as pessoas afetadas, onde estão as populações mais vulneráveis. Esse trabalho de preparação de relatório sobre as situações humanitárias também é feito. Outra parte é a advocacia. Damos voz a quem não a tem, seja a nível nacional, seja a nível do Conselho de Segurança. É o subsecretário-geral para os Assuntos Humanitários que vai ao Conselho de Segurança dar informação aos Estados-membros sobre as situações humanitárias e alertar, muitas vezes, para a gravidade das situações.  

O financiamento do OCHA depende da generosidade de governos, sociedade civil, setor privado, etc. Estas contribuições têm sido suficientes para apoiar os países que mais precisam? 

O orçamento da OCHA é pequeno comparativamente ao que é necessário para todos os anos prestar ação humanitária. No final de cada ano lançamos o panorama das necessidades humanitárias globais. Vem sempre um valor associado de quanto custa responder às necessidades humanitárias. Este ano, estamos a pedir 48,73 mil milhões de dólares para atender a 205.2 milhões de pessoas, que são as mais necessitadas, porque o número total de pessoas necessitadas é de 303 milhões, em 69 países. Neste momento, temos 32,5% de financiamento só, temos 15,85 mil milhões de dólares disponíveis. O que a OCHA também faz é trabalhar em grandes eventos com doadores e os lançamentos dos planos de resposta humanitária. Quando fazemos o levantamento de necessidades e o plano de resposta é exatamente para poder dar elementos à comunidade internacional.  

Os doadores, em geral, têm sido bastante generosos. O que tem acontecido é que, fruto do estado em que está o mundo, as necessidades humanitárias aumentaram de forma exponencial.

Quais são, na sua opinião, os principais desafios que os trabalhadores humanitários enfrentam atualmente? 

Das maiores dificuldades que temos é a tentativa politização da ajuda humanitária. Trabalhamos com base em quatro princípio e um deles é precisamente a independência e a neutralidade. Portanto, quando há esta politização tornamo-nos um alvo e nós não somos um alvo. Nós, trabalhadores humanitários, existimos para servir as populações em necessidade onde que quer que elas estejam. E temos várias vezes dificuldades de acesso a essas populações, por várias razões: questões de insegurança e ataques. Em 2021 morreram 140 colegas meus e a maior parte são nacionais, são pessoas dos países em que estão a trabalhar. Isso dificulta muito o nosso trabalho. Mas não nos pára. 

Que conselhos daria às pessoas que almejam ter uma carreira humanitária? 

Nós não deixamos de fazer as coisas por elas serem difíceis. O trabalho humanitário é necessariamente um trabalho difícil. Estamos sempre em lugares complicados. Mas trabalhar em prol da comunidade, seja ela a nossa, seja a dos outros, é gratificante. Os conselhos que dou é que se preparem. É um trabalho que requer profissionalismo. Ajudar as pessoas tem regras, é preciso saber fazê-lo. Para garantir que a ajuda que estamos a prestar não seja só bem-intencionada, mas que sirva o seu propósito. Venham trabalhar connosco, venham ser humanitários nas suas vinte vertentes. Eu não faria outra coisa! 


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