Quando as tropas russas lançaram uma invasão em grande escala da Ucrânia na madrugada de 23 de fevereiro de 2022, o desejo da cardiologista Tetiana Korinets de ser mãe desapareceu. Eram 5 da manhã e as sirenes começaram a tocar.
Desde então, Tatiana e o seu círculo de amigos deixaram de lado a ideia da maternidade. O medo da guerra e de não poder garantir um lar seguro para os filhos paralisou-os. Um dia, porém, começaram a habituar-se.
“Devemos viver no presente, não sabemos o que vai acontecer amanhã”, e o presente de Tetiana é o seu bebé, que como vemos neste vídeo, tem ao colo juntamente com o seu parceiro no hospital distrital de Uman, onde o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) fornece suporte de vida a mães e bebés.
Violação do Direito Internacional Humanitário
Os hospitais têm sido alvos militares desde o início da invasão. A ONU registou 1.500 ataques verificados à saúde. Quase metade das instalações de saúde não estão operacionais em algumas áreas do leste e do sul.
No UNFPA Ucrânia conhecem bem as histórias por trás de cada ataque às maternidades. O mais recente, a 14 de fevereiro, matou uma mulher grávida no hospital de Selydove, Donetsk.
“Os nossos corações partem-se com a perda de uma mulher grávida e de outras pessoas que morreram após o ataque desta noite a um centro médico em Selydove”, partilha Massimo Diana, representante do UNFPA na Ucrânia. “Atacar um hospital num momento em que uma nova vida está a começar é um ato de crueldade para o qual não pode haver justificação”.
A necessidade de ajuda urgente persiste
Com o conflito a arrastar-se, as necessidades humanitárias perpetuam-se e aumentam em 2024. Dois anos após a invasão russa em grande escala, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos (OCHA) estima que haja mais de 14,6 milhões de pessoas, cerca de 40% da população ucraniana, que necessitarão de assistência humanitária este ano. Só em 2023, a comunidade humanitária ajudou 11 milhões de pessoas em todo o país.
“Embora se fale cada vez menos sobre a Ucrânia, a situação aqui no país está a tornar-se cada vez mais extrema. E vimos isso no ano passado. À medida que a guerra devasta cidades e aldeias perto da linha da frente, as necessidades humanitárias nestas áreas estão a atingir níveis catastróficos”, explica Saviano Abreu, chefe de comunicações e porta-voz do OCHA na Ucrânia.
Milhares de quilómetros de terra contaminada com bombas não detonadas ou minas terrestres são outra das consequências mais visíveis da guerra.
Atualmente, suspeita-se que 1/3 do território da Ucrânia esteja contaminado por minas e bombas com carga explosiva. Esta situação tem um impacto mundial, uma vez que os campos minados causam escassez de cereais e têm impacto noutras áreas do mundo atingidas pela fome. “Para mim, não fazer o meu trabalho significa crianças a morrer à fome na Somália ou no Afeganistão”, explica Paul Heslop, conselheiro técnico chefe do Programa de Ação contra Minas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Ucrânia.
“Trabalho na indústria há cerca de 30 anos e para mim tudo o que fiz antes da Ucrânia foi um ensaio geral”, explica Paul enquanto explica com números o impacto brutal das minas. “Mesmo com a regra geral de que 10% do sistema falha. Se lançarmos 30 mil bombas por dia, são 3 mil bombas que não foram detonadas diariamente. Quando o conflito dura 1.000 dias, estamos a falar de 3 milhões de materiais explosivos.”
As Nações Unidas estão a trabalhar com o Governo da Ucrânia e os seus parceiros para enfrentar a ameaça de engenhos não detonados, minas terrestres e munições de fragmentação.
Diplomacia da ONU
Nestes dois anos de guerra em grande escala, as Nações Unidas apoiaram todos os esforços diplomáticos destinados a alcançar uma paz justa e duradoura na Ucrânia, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, o Direito Internacional e as resoluções relevantes da Assembleia Geral. O secretário-geral da ONU, António Guterres, reiterou a sua disponibilidade para apoiar as partes caso solicitem assistência da ONU em quaisquer negociações ou diálogo.
Assim, o secretário-geral viajou três vezes até à Ucrânia: a primeira a 28 de abril de 2022 com o acordo de grãos como pano de fundo, a 19 de agosto de 2022 e finalmente a 8 de março de 2023. Também se encontrou com Vladimir Putin em Moscovo, a 26 de abril de 2022, exercendo o seu mandato de “bons ofícios”.
A Iniciativa do Mar Negro e o Memorando de Entendimento sobre a facilitação das exportações russas de alimentos e de fertilizantes – mediados pela ONU e pela Turquia em Julho de 2022, foram um salva-vidas para a segurança alimentar global:
- A iniciativa permitiu o transporte seguro de quase 33 milhões de toneladas métricas de alimentos da Ucrânia para 45 países em três continentes.
- 20% dos produtos alimentares, incluindo 42% das exportações de trigo, exportados no âmbito da Iniciativa foram para países de baixo e de médio rendimento.
- 7% do trigo exportado foi adquirido pelo Programa mundial Alimentar (PAM), que transportou 725.000 toneladas para pessoas necessitadas no Afeganistão, Etiópia, Quénia, Somália, Sudão e Iémen
Em última análise, a iniciativa contribuiu para a redução sustentada dos preços globais dos alimentos. Em junho de 2023, o índice de preços dos alimentos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) tinha caído mais de 23% abaixo do máximo histórico alcançado em Março de 2022.
Números
- Mais de 30.000 vítimas civis, incluindo mais de 10.000 mortos. Estes são apenas os números confirmados pela ONU. É muito provável que o número real seja superior
- Mais de 6,4 milhões de refugiados e cerca de 3,7 milhões de pessoas estão deslocadas internamente. Quase um terço da população foi forçada a fugir das suas casas, incluindo mais de metade das crianças ucranianas.
- De acordo com o Banco Mundial, as taxas de pobreza aumentaram de 5% para 24% em 2022, colocando 7,1 milhões de ucranianos abaixo do limiar da pobreza.
- Quase 4.000 escolas, infantários e outras instalações educativas foram danificadas ou destruídas. O oblast de Donetsk é o mais atingido, com 80% de destruição.
- Apenas um terço das crianças ucranianas frequenta aulas presenciais completas.
- Estima-se que mais de 3,3 milhões de pessoas – incluindo 800.000 crianças – que vivem ao longo da linha da frente necessitem de assistência de emergência.