A visão das embaixadoras sobre o Conselho de Segurança da ONU

Numa altura em que a relação entre o número de diplomatas femininos e masculinos da Organização das Nações Unidas se torna mais equilibrado, em termos gerais, o número de embaixadoras no Conselho de Segurança caiu face ao pico de seis mulheres, em 2014, para quatro, em 2015, e para apenas uma, este ano. De que forma este facto influencia a liderança do organismo responsável pelas resoluções da comunidade internacional ao nível da paz e segurança e o que revela sobre o futuro da diplomacia e construção da paz da ONU?

“Os números não são tudo.  O Conselho de Segurança é absolutamente claro sobre a importância da agenda das mulheres, paz e segurança”, disse Jeffrey Feltman, sub-Secretário-geral para os Assuntos Políticos, referindo-se à resolução 1325 (2000), que reconhece o papel crucial das mulheres e meninas na manutenção da paz e segurança.

“Mas o facto de termos novamente um rácio de uma mulher para cada 15 representantes mostra que todos temos de fazer um compromisso sustentado para com a igualdade de género na arquitetura da paz e segurança da ONU”, acrescentou Feltman, que moderou um painel composto pelas embaixadoras Dina Kawar (Jordânia), Raimonda Murmokaite (Lituânia), Sylvie Lucas (Luxemburgo) e Samantha Power (Estados Unidos da América).

O evento, organizado pelo Departamento dos Assuntos Políticos da ONU e acolhido pela Missão Permanente dos Países Baixos para a ONU, teve lugar nos bastidores da sessão anual da 60ª Comissão sobre o Estatuto da Mulher. O fórum, um dos maiores no mundo focado nas mulheres e meninas, está este ano a rever o progresso realizado na conquista da igualdade de género e empoderamento das mulheres.

“Se a igualdade de género dependesse da vinda de centenas de mulheres a Nova Iorque para a Comissão sobre o Estatudo da Mulher, já a tínhamos obtido”, disse Samantha Power. “Muito do nosso progresso para a igualdade de género tende a depender dos homens. Precisamos, fundamentalmente, que os homens, por todo o mundo, agarrem estes assuntos”, referiu.

Samantha Power, que já partilhou a icónica mesa de ferradura do Conselho de Segurança com três outras embaixadoras,  é agora, a única mulher no corpo de 15 membros. Os Estados Unidos da América possuem um lugar permanente no Conselho, bem como a China, França, Rússia e Reino Unido.

Em geral, na ONU, o atual número de embaixadoras vindas dos 193 Estados-membros aumentou para 37, face às 31, em 2014.

 Diferente teor de discussão

A descida do número de mulheres fez diferença no Conselho de Segurança, suge Samantha Power, que recorda a decisão do Conselho, a 11 de março, para adotar a resolução 2272, que determina medidas especiais recomendadas pelo Secretário-geral, Ban Ki-moon, para prevenir e combater a exploração sexual e o abuso pelos soldados da paz da ONU.

Foi a primeira vez que esta embaixadora se sentiu “perfeitamente consciente” de que era a única mulher no Conselho, descrevendo a reunião como “um dos debates mais desapontantes mas que acabou com um bom resultado”.

Samantha Power disse que durante o debate “podia percber o que ia no pensamento de alguns dos meus colegas que me estavam a ouvir. Pensavam que. porque sou mulher, estou mais comprometida com este assunto. Não tinha nada a ver com ser uma mulher, mas sim com a decência básica, justiça e o que a ONU representa”.

A embaixadora refere que, depois desta ocasião, alguns a apelidaram de “apaixonada”, uma palavra que não aprecia quando usada para descrever assuntos e princípios, enquanto alguns rejeitaram as suas declarações, dizendo “ela é tão emocional”.

Sylvie Lucas, que serviu o Conselho em 2013 e 2014, e Dina Kawar, que foi membro em 2014 e 2015,  também notaram que as embaixadores pareciam mais preocupadas do que os seus colegas masculinos sobre os assuntos humanitários e de direitos humanos. Lucas enfatizou que  estes eram igualmente importantes e muito vinculados com a credibilidade do Conselho.

 O que o olho capta permanece fixo no cérebro

“Olhar para o Conselho de Segurança e para a “ferradura” para ver apenas uma mulher na mesa, em 2016, é de loucos. O mesmo é saber que não houve nenhuma Secretária-geral e que apenas duas mulheres foram Presidentes da Assembleia-Geral ao longo dos 70 anos”, diz Samantha Power.

“É importante porque cada um dos cargos é bastante simbólico e envia sinais. Quando uma jovem menina visita a ONU, no Conselho de Segurança  vê uma embaixadora e pensa que é normal. Isso é um problema”, acrescentou.

Raimonda Murmokaite, que serviu o Conselho em 2014 e 2015, concordou que exemplos e simbolismo importam, tanto para a credibilidade da ONU como para criar modelos para os jovens diplomatas. Ela notou, por exemplo, que dois terços dos seus funcionários na missão eram mulheres.

“Há sempre uma distância entre dizer o que é preciso e agir como é preciso. Somos muito bons a dizer o que é preciso. Mas não somos tão bons a fazer o que é preciso”, disse, referindo-se à ONU, em geral.

Raimonda Murmokaite também considera que, na competição dos Estados-Membros por um lugar não-permanente no Conselho de Segurança, uma consideração a ter poderia ser o género do candidato.

O Secretário-geral da ONU fez da igualdade de género uma prioridade, tendo nomeado mais de 150 mulheres para posições de assistente do Secretário-geral ou sub-Secretário-geral nos últimos sete anos. Cerca de um quarto das missões políticas e de manutenção da paz são agora lideradas por mulheres.

Apesar deste progresso, menos de 10% de todos os mediadores da ONU são mulheres e painéis exclusivamente masculinos continuam a ser realizados na ONU sobre questões importantes.

Igualdade do género e violência sexual

A resolução 1325 foi a primeira resolução da ONU a abordar, especificamente, o impacto da guerra sobre as mulheres e a necessidade da participação das mulheres nos processos de paz e nas instituições políticas. A resolução aumentou a necessidade de abordar a violência sexual no conflito armado.

Ainda existem diferentes interpretações entre os membros do Conselho sobre que assuntos devem ser levantados sob a agenda do Conselho relativa aos temas  mulheres, paz e segurança, disse Sylvie Lucas.

Estes incluem, por exemplo, o assunto da violência sexual em conflito. Para muitos representantes permanentes este é um inevitável subproduto da guerra e não deve ser um foco do Conselho, de acordo com Dina Kawar. De facto, o tópico ganhou um lugar permanente na agenda do Conselho com a passagem de multiplas resoluções do Conselho de Segurança, inclusive por meio da resolução 1888 (2009) que criou um Gabinete e um Sub-Secretário-Geral para liderar o esforço da ONU para eliminar este flagelo.

Num outro episódio recordado durante a reunião, um elemento do Conselho de Segurança questionou porque é que um oficial político sénior  tinha passado gasto tempo de uma visita urgente ao terreno de um conflito para se reunir com grupos representantes de mulheres e da  sociedade civil.

Para combater este tipo de pensamento, Sylvie Lucas disse que as embaixadoras procuram oportunidades para incluir tópicos relacionados com a igualdade de género como parte de outras agendas – para os integrar – e assim não são postos de lado como “interesse especial” ou “questões suaves.”

Uma forma do fazer é através dos canais oficiais de comunicação entre o Conselho e os chefes das missões políticas e de manutenção de paz da ONU. Por exemplo, o Representante Especial do Secretário-geral para um país deve  tentar obter dados sobre as necessidades específicas das mulheres e meninas nos campos de deslocados – uma conversa que ele ou ela poderia não ter tido de outra forma, mas que são agora obrigados a incluir nos relatórios para o Conselho de Segurança.

Os Estados-membros também desempenham um papel através de planos de ação nacionais, criados pelos governos para implementar a resolução 1325.

Diferentes formas de compromisso

Os embaixadoros reportam, em última análise, às suas capitais, cujos “compassos” políticos também orientam as discussões e negociações a nível das Nações Unidas, mas há alguma “margem de manobra” em torno de linhas oficiais.

“Entre as linhas vermelhas  no terreno sobre o que se pode ou não fazer há sempre uma “terra de ninguém”. Todos nós navegamos nesta “terra de ninguém”. Isso é muito feminino”, disse Dina Kawar.

Para esta embaixadora, a diplomacia exercida por mulheres revela que são tomadas notas mais detalhadas e ouvidos outros pontos de vista. “Não dizemos sou americana ou sou árabe. Sou isto ou aquilo. Nós falamos sobre o problema e como podemos lidar com ele. Existe algo específico da natureza das mulheres quando querem encontrar soluções”, acrescenta Dina kawar.

As mulheres são mais propensas a colocar de lado os seus discursos e notas para interagirem com os outros membros e responderem diretamente ao que eles dizem. Mas não é regra para todas as mulheres, disse Kawar. A embaixadora recorda a história de uma reunião em que um líder mundial envolvido num conflito ficou aliviado por ver que a sua esposa estava presente, na esperança de que ela tivesse a capacidade de o influenciar no sentido da paz. Descobriu, na verdade, que a mulher era mais radical, recusando-se a procurar uma solução pacífica para o conflito e influenciando o seu marido menos bélico.

“Todos nós, em algum sentido, somos o reflexo das condutas por detrás de nós”, disse Samantha Power, observando que não haverá mais comandantes des forças militares enquanto não houver mais mulheres a nomearem pessoas para altos cargos  nas forças armadas nacionais, não haverá mais mulheres no topo da carreira diplomática na ONU ou dos respectivos Estados-membros, a menos que elas possam progressivamente subir na hierarquia.

A presença das mulheres também abriu mais o Conselho de  Seguranla à sociedade civil. Samantha Power e Dina Kawar referiram o impacto que teve ouvirem diretamente as vítimas durante as reuniões, o que leva a que se acionem, por vezes, ações concretas. Power também discutiu a necessidade de dar um rosto humano nos assuntos tentanto “acordar as pessoas do nosso sono coletivo.”

 O próximo Secretário-geral

As atuais discussões sobre a igualdade de género na ONU também se focam nos lugares de topo da organização – e há uma forte pressão para que o próximo Secretário-geral seja uma mulher.

Para aumentar a transparência do processo de candidatura (que, em última instância, é decidido pelo Conselho de Segurança), os Estados-membros nomeam, publicamente, os candidatos. Até ao momento, estão três mulheres na lista: Vesna Pusic, da Croácia, Irina Bokova, da Bulgária e Natália Gherman, da República da Moldávia.

Dina Kawar relembrou  um recente encontro sobre este mesmo tópico onde a única verdadeira mensagem dos embaixadores do sexo masculino parecia ser que, se uma mulher fosse selecionada, ela teria de ser competente.

Ela reagiu sugerindo que ninguém teria falado de forma semelhante sobre competências ou qualificações de homens: “Quem é a mulher que se vai tornar Secretária-geral porque está aborrecida naquele dia?”.

18 de março de 2016, Centro de Notícias da ONU/Traduzido & Editado por UNRIC


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