Artigo de Opinião: O Afeganistão está à beira do colapso total, o que só poderá ser evitado com o envolvimento do resto do mundo

Este artigo de opinião foi escrito pelo Subsecretário-Geral para os Assuntos Humanitários e Coordenador da Ajuda de Emergência, Martin Griffiths, e pelo Presidente do Comité Internacional da Cruz Vermelha, Peter Maurer, e foi originalmente publicado online pelo The Hill.

O Afeganistão está em queda livre. A contração económica desencadeada pela tomada do poder pelos Talibãs não tem precedentes. Estima-se que possa haver uma perda de 30% do seu produto interno bruto dentro de um ano. A economia está a implodir e já não existe dinheiro para as transações diárias das pessoas.

Os trabalhadores humanitários estão numa corrida contra o tempo para ajudar as pessoas durante um inverno rigoroso. Este trabalho é vital, mas está longe de ser suficiente. Podemos ver claramente os limites do nosso mandato humanitário e a necessidade de um apoio mais sistémico e sustentável. Sem ambos, o caos instala-se.

O Afeganistão é um país historicamente sustentado pela ajuda externa. No entanto, está agora à deriva e sem auxílio exterior, uma vez que as posições políticas internacionais endureceram contra os novos governantes. Os salários dos principais trabalhadores do setor público – médicos, enfermeiros e professores – não são pagos há meses. As instalações de saúde não têm meios para pagar o combustível para geradores ou ambulâncias. A prestação de serviços básicos está em risco de colapso e as pessoas que dependem destes serviços são as suas vítimas involuntárias.

Sem apoio internacional mais corajoso para manter as funções indispensáveis do Estado, não será possível evitar a morte de milhares de afegãos neste inverno. Devido à pior seca dos últimos 20 anos, dois terços da população dependerá de assistência alimentar em 2022, segundo as estimativas do Programa Alimentar Mundial. As crianças sucumbirão a níveis elevados de subnutrição, primeiro morrendo de doenças evitáveis e depois de fome total. Sem clínicas de saúde para onde ir, mais mulheres morrerão a dar à luz. As famílias enfrentarão temperaturas geladas sem eletricidade nem água limpa.

UN Photo/Eskinder Debebe

No final, os afegãos poderão perder toda a esperança e abandonar o país. O que é necessário para inverter esta perspetiva sombria?

Em primeiro lugar, os doadores devem continuar a financiar generosamente a resposta humanitária a esta catástrofe, tal como têm vindo a fazer desde Agosto. O plano humanitário para o Afeganistão estima dispender 4,47 mil milhões de dólares no país durante 2022, constituindo assim o maior apelo de sempre para este país. Mais de 24 milhões de pessoas necessitam de assistência urgente. As agências da ONU e os parceiros humanitários pretendem auxiliar mais de 90 por cento destas pessoas, uma impressionante quantidade de 22 milhões de pessoas, através do fornecimento de alimentos e de água, bem como de serviços de saúde, de proteção, de abrigo, de educação e de outras formas de apoio essencial. Para isso ser possível, é preciso o apoio dos doadores.

Em segundo lugar, deve haver maior flexibilidade relativamente às utilizações possíveis dos fundos doados, incluindo para pagar os salários dos trabalhadores do setor público e para o apoio de estruturas que prestam serviços básicos tais como de saúde, de educação e de assistência para a subsistência dos cidadãos. Isto proporcionará um incentivo para que as pessoas permaneçam onde estão e evitará uma onda caótica de migração em massa.

É importante que fique claro que apoiar estas estruturas não significa financiar quadros talibãs. A administração pública no Afeganistão é gerida por trabalhadores do setor público e quase todos eles ocupavam estes cargos antes da tomada do poder pelos Talibãs. As estruturas que eles mantêm são essenciais para evitar a desestabilização do Estado. Não vamos fingir nem por um minuto que os serviços estatais podem ser efetivamente mantidos ou substituídos por programas humanitários. O apoio humanitário é uma medida provisória e necessária para salvar vidas no terreno neste momento. Mas nunca é uma solução permanenten e a crise no Afeganistão já ultrapassou os limites da ajuda humanitária.

Em terceiro lugar, o envolvimento internacional precisa de estabelecer um diálogo cuidadosamente calibrado com as autoridades  afegãs. Isto poderia incluir a flexibilização ou o alívio de algumas sanções económicas ou uma reintrodução faseada da ajuda ao desenvolvimento a longo prazo em resposta ao progresso em questões de interesse internacional, tais como os direitos das mulheres e das raparigas.

UN Photo/Eskinder Debebe

O atual envolvimento internacional com o Afeganistão não é adequado ao fim a que se destina. O mundo fica à espera que os Talibãs façam progressos indefinidos sobre uma série de normas internacionais sem tomarem as medidas necessárias para o efeito. Os Talibãs, por outro lado, ou não estão dispostos a satisfazer estas expetativas ou não estão esclarecidos sobre as suas intenções.

As consequências são claras para qualquer um ver: o Estado está a desintegrar-se, a região está a ser desestabilizada e as pessoas estão a ficar sem esperança.

Uma abordagem de “business as usual” garante praticamente o fracasso internacional. Em vez disso, a comunidade internacional tem a responsabilidade de ser muito mais decisiva, mais exigente e mais empenhada do que é atualmente o caso neste processo diplomático reticente.

Nós estamos a deixar que isto aconteça perante os nossos olhos. Temos de tomar medidas para impedir que o povo do Afeganistão atinja o fundo do poço durante este inverno, financiando os serviços básicos necessários para a sua sobrevivência.

Quanto mais cedo iniciarmos um compromisso estruturado, significativo e recíproco com o Afeganistão, melhores serão as nossas hipóteses de o conseguirmos.


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