Campanha Mares Limpos: Dentro da luta contra os microplásticos

Das zonas mais profundas dos oceanos aos alimentos e à água que consumimos, os microplásticos estão presentes em todo o lado e apresentam uma ameaça crescente para a saúde humana e do planeta. 

Estas minúsculas partículas de plástico estão presentes em objetos do quotidiano, incluindo nos cigarros, na roupa e nos cosméticos. Os estudos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) demostram que o uso contínuo de alguns destes produtos aumenta a acumulação de microplásticos no ambiente. 

Os microplásticos, que podem ter até cinco milímetros de diâmetro, entram no oceano através da decomposição de lixo marinho, o escoamento das canalizações, as fugas das fábricas e outras fontes. 

Quando ingeridos pela vida marinha, tais como as aves, os peixes, os mamíferos e as plantas, os microplásticos têm efeitos tóxicos, causando problemas como a redução do consumo alimentar, a asfixia, as alterações comportamentais e a alteração genética. 

Para além de entrarem na cadeia alimentar através dos mariscos, os microplásticos podem ser inalados pelo ar, ingeridos através da água ou absorvidos através da pele. Os microplásticos foram encontrados em vários órgãos humanos, e mesmo na placenta dos recém-nascidos. 

O relatório de 2021 do PNUMA Da Poluição à Solução adverte que os químicos nos microplásticosestão associados a graves impactos na saúde, especialmente nas mulheres“. Estes podem incluir alterações na genética humana, desenvolvimento cerebral e frequências respiratórias, entre outros problemas de saúde. 

A chefe do Departamento Marinho e de Agua Doce do PNUMA afirma que “os impactos dos químicos perigosos e dos microplásticos na fisiologia tanto dos seres humanos como dos organismos marinhos ainda são incipientes e devem ser uma prioridade nesta Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável“.

A chefe acrescenta ainda que “no entanto, a ação que limita a propagação e prevalência dos microplásticos será sem dúvida benéfica para a nossa saúde a longo prazo e para o bem-estar dos ecossistemas marinhos e não só”. 

Para a campanha Mares Limpos do PNUMA, destacar esta questão é fundamental. Antes do inicio da sessão  da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA 5.2) de 28 de Fevereiro a 2 de Março, tera lugarem Nairobi, Quénia, a campanha Mares Limpos está a tomar como foco os microplásticos para instruir os consumidores sobre um comportamento seguro, impulsionar mudanças políticas e salvaguardar o ambiente. 

Os impactos dos químicos perigosos e dos microplásticos na fisiologia tanto dos seres humanos como dos organismos marinhos ainda são incipientes e devem ser priorizados e acelerados nesta Década da Ciência Marina para o Desenvolvimento Sustentável

As beatas de cigarro libertam microplásticos que têm impacto na saúde e nos serviços dos ecossistemas. Foto: Unsplash / Brian Yurasitis
Filtros de cigarro 

Os microplásticos conhecidos como fibras de acetato de celulose abrangem a maioria dos filtros de cigarro. Com seis bilhiões de cigarros consumidos anualmente por mil milhões de fumadores, estas fibras atingem todos os cantos do mundo. As beatas de cigarro são o lixo plástico mais comum nas praias, tornando os ecossistemas marinhos altamente suscetíveis aos microplásticos. 

Quando se decompõem, os cigarros libertam microplásticos, metais pesados e muitas outras substâncias químicas que impactam a saúde dos ecossistemas. 

A nova parceria da campanha Mares Limpos com o Secretariado da Organização Mundial de Saúde para Convencao-Quadro para o Controlo do Tabaco (OMS FCTC) tem como objetivo catalisar a mudança ao nível dos consumidores, decisores políticos e empresas. Ao aproveitar os conhecimentos especializados da OMS FCTC, a campanha Mares Limpos encoraja o desenvolvimento de estratégias reguladoras que abordam o impacto dos cigarros na saúde humana e na produção em massa. 

Os peritos recomendam que se volte a usar a roupa com mais frequência e que se a lave com menos frequência. Foto: Unsplash / Dan Gold
Roupa e têxteis  

Os plásticos – incluindo o poliéster, o acrílico e o nylon – englobam aproximadamente 60% de todos os materiais utilizados na confeção de vestuário. Devido ao desgaste, o vestuário e os têxteis com estes materiais libertam microplásticos conhecidos como microfibras quando lavados ou usados. De acordo com um relatório do PNUMA de 2020 que mapeia a cadeia global de valor têxtil, cerca de 9% das perdas anuais de microplásticos para o oceano provêm do vestuário e outros têxteis. 

Para reduzir estas perdas, os peritos recomendam que se reutilize roupa com mais frequência e que se a lave com menos frequência. Ao comprar novas peças de vestuário e/ou optar por materiais naturais de origem sustentável pode diminuir ou eliminar a ameaça da libertação de microplásticos – embora tal possa gerar outros compromissos ambientais.

A longo prazo, o PNUMA e outras agências da ONU, que participam na Aliança das Nações Unidas para a Moda Sustentável, continuarão a impulsionar uma ação coordenada na indústria. Também defenderão, através da ação governamental, a transição para uma cadeia de valor têxtil sustentável e circular com o mínimo de microplásticos. O PNUMA está a trabalhar num quadro de referência da moda sustentável que destaca as ações principais que as partes interessadas podem tomar, bem como orientações para melhorar as medidas de comunicação para impulsionar a mudança de comportamentos. 

Outras organizações, como a Fundação Sopa de Plástico, estão também a contribuir para reduzir a prevalencia dos microplásticos. 

De acordo com a chefe da Unidade de Consumo e Produção do PNUMA, Elisa Tonda, é necessário envolver todas as partes interessadas para transformar a indústria têxtil numa indústria circular e para resolver a emanação de microplásticos dos têxteis. 

Elisa Tonda defende que “os decisores políticos precisam de implementar uma governação e política mais forte, bem como criar um ambiente político que incentive o design de tecidos e vestuário sustentáveis e promova uma abordagem mais rígida para a determinação da libertação de microplásticos de diferentes produtos têxteis e alternativas adequadas”.

As partículas plásticas dos cosméticos podem ser absorvidas pela pele ou directamente ingeridas. Foto: Unsplash pmv chamara
Cosméticos 

Cosméticos e produtos de higiene pessoal são outros produtos de higiene básica que podem estar carregados de microplásticos. Estes produtos contêm frequentemente microplásticos primários, que são intencionalmente fabricados e adicionados, muitas vezes para fornecer textura – desde os higienizadores de mãos e sabão aos desodorizantes e pastas de dentes. 

As partículas plásticas destes produtos podem ser absorvidas pela pele ou, no caso de produtos como o batom ou o bálsamo para os lábios, diretamente ingeridas. Os microplásticos que permanecem na pele são eventualmente levados pelo esgoto e podem chegar ao oceano. 

De acordo com o relatório Panorama dos Químicos Globais II do PNUMA, quantidades significativas de microplásticos nos cosméticos e outras fontes são mais prováveis de entrar na água corrente em áreas com instalações de tratamento de águas residuais inadequadas. 

O relatório observa ainda que alguns agentes esfoliantes contêm mais de 10% de microesferas – um tipo de microplástico primário. Além disso, num estudo recente, a campanha Beat the Microbead da Fundação Sopa de Plástico descobriu que 83 por cento das 138 marcas de higienizadores e gel para as mãos continham microplásticos. 

Segundo o encarregado da campanha de microplásticos da Fundação Sopa de Plástico, Madhuri Prabhakar, a redução do uso, a compra de produtos com o mínimo de embalagem e a análise das listas de ingredientes são algumas formas em que os consumidores podem limitar a sua potencial exposição a microplásticos.

O projeto interativo “O que há na sua casa de banho?” da campanha Mares Limpos mostra a prevalência do plástico nos produtos de cuidados pessoais comuns para encorajar os consumidores a optarem por alternativas amigas do ambiente. 

As empresas e os fabricantes também têm a responsabilidade de diminuir o uso primário de microplásticos. Abordar a questão de forma significativa requer ação a partir da fase de conceção do produto, de acordo com o Relatório de Avaliação sobre Questões de Preocupação do PNUMA. 

Prabhakar acrescenta que gerar uma “definição à prova de futuro para microplásticos“, será essencial no lobbying de governos e empresas para a mudança e potenciais proibições ou restrições. 

Virar a página  

Através deste novo foco, a campanha Mares Limpos visa impulsionar a mudança tanto para os consumidores como para os decisores políticos e as empresas. 

As suas parcerias com várias organizações e empresas pode encorajar mudanças no estilo de vida e na indústria e levar a uma maior mobilização para a investigação essencial. Pode também reforçar o nosso conhecimento limitado dos verdadeiros impactos dos microplásticos na saúde humana e ajudar a identificar os melhores caminhos para o futuro. 

Dada a sua prevalência e nos artigos domésticos quotidianos, encontrar respostas às complexas ameaças dos microplásticos é um desafio crítico e urgente. 

Os países e as empresas podem aderir à campanha Mares Limpos, bem como ao Compromisso Global da Nova Economia do Plástico, para fazer promessas e compromissos ambiciosos com o objetivo de combater todos os aspetos do lixo marinho e da poluição plástica. Os indivíduos podem também assumir o compromisso de reduzir a sua pegada de plástico. Juntos, podemos fazer as mudanças necessárias para reduzir os impactos dos plásticos e microplásticos sobre o ambiente e a saúde humana. 

A campanha Mares Limpos do PNUA é a maior e mais poderosa coligação mundial dedicada a acabar com a poluição plástica marinha. Conecta e mobiliza indivíduos, grupos da sociedade civil, a indústria e os governos para catalisar a mudança e transformar hábitos, práticas, normas e políticas em todo o mundo para reduzir drasticamente o lixo marinho e os seus impactos negativos.  

A Convenção da Organização Mundial de Saúde para a Convenção-Quadro para o Controlo do Tabaco (OMS FCTC) é o primeiro tratado global de saúde pública e é um dos tratados mais rápidamente adotados na história das Nações Unidas. Foi desenvolvido em resposta à globalização da epidemia do tabaco e é um tratado baseado na ciência que reafirma o direito de todas as pessoas ao mais alto padrão de saúde.  

A Aliança das Nações Unidas para a Moda Sustentável é uma iniciativa das agências da ONU, incluindo o PNUMA, e organizações aliadas concebidas para contribuir para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável através de uma ação coordenada no setor da moda. Especificamente, a aliança apoia a coordenação entre organismos da ONU que trabalham no setor da moda e na promoção de projetos e políticas.  

O UNEP e a Fundação Ellen McArthur co-lideram o Compromisso Global, estabelecendo uma visão partilhada de uma economia circular para o plástico. Tem 500 signatários – incluindo produtores de plásticos, instituições financeiras e governos – que se comprometeram com metas ambiciosas em 2025 para alcançar uma economia circular.  

A Parceria Global sobre Lixo Marinho do PNUMA é uma parceria entre partes interessadas que reúne todos os atores que trabalham na prevenção do lixo marinho e da poluição por plásticos. O PNUMA está a desenvolver uma Plataforma Digital para partilhar conhecimentos e experiências e ações catalisadoras. 

Natureza para a Saúde Humana e do Ecossistema é um dos temas-chave da sessão retomada da Assembleia do Ambiente da ONU (UNEA5.2) a realizar de 28 de Fevereiro a 2 de Março de 2022. A UNEA é o órgão de decisão ambiental mais importante do mundo. Através das suas resoluções e apelos à ação, a Assembleia proporciona liderança e catalisa a ação intergovernamental sobre o ambiente. 


Direito Internacional e Justiça

Entre as maiores conquistas das Nações Unidas está o desenvolvimento de um corpo de leis internacionais, convenções e tratados que promovem o desenvolvimento económico...