Guterres: Alterações climáticas, terrorismo e desigualdades são temas prioritários para a ONU

Secretário-geral defende o reforço da diplomacia para a resolução dos conflitos mundiais.

Já começaram, em Nova Iorque, os preparativos para os debates dos líderes internacionais na Assembleia Geral das Nações Unidas, que vai reunir chefes de Estado, de Governo e Ministros de todos os países-membros da ONU, a partir do próximo dia 19 de setembro.

A reunião magna terá, pela primeira vez, como anfitrião António Guterres que conversou com a ONU News sobre o papel da Organização e dos principais desafios que enfrenta atualmente.

Guterres, que foi primeiro-ministro de Portugal de 1995 a 2002, e alto comissário da ONU para Refugiados, assumiu a liderança das Nações Unidas a 1 de janeiro deste ano e tem defendido, entre outros temas, o reforço da diplomacia na resolução de assuntos globais. O líder da ONU também quer uma maior adesão aos objetivos do Acordo de Paris sobre alterações climáticas, um maior envolvimento com os jovens de todo o mundo e um maior esforço para garantir a igualdade de género através do Sistema da ONU.

Nesta entrevista, António Guterres revela de que forma está a trabalhar com a comunidade internacional para garantir que as partes envolvidas em conflitos entendam que “ninguém sai a ganhar ” nas guerras de hoje em dia.
Guterres destaca também a ligação entre as alterações climáticas e o desenvolvimento sustentável para assegurar que um mundo globalizado não deixa ninguém para trás.

Leia na íntegra a entrevista à ONU News, realizada por Reem Abaza:

ONU News: Secretário-geral, com a aproximação dos debates da Assembleia Geral, qual é o papel do multilateralismo no mundo atual e o que tem feito, enquanto Secretário-geral, para fortalecer este papel?

Secretário-Geral: Nós vivemos num mundo com problemas globais: alterações climáticas, terrorismo, desigualdade… E não existe nenhuma forma de resolvê-los de país para país. Nós vemos cada vez mais que apenas as soluções globais podem resolver problemas globais e para que essas soluções possam ser possíveis, precisamos ter mecanismos de governação que permitam que os países se unam e resolvam, em conjunto, os problemas atuais. Por isso, as organizações multilaterais como a ONU, mas também muitas outras… o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, organizações regionais como a União Europeia, a União Africana… todas são essenciais para encarar os desafios dramáticos que hoje ameaçam a humanidade.

ON: Com todos os desafios que o mundo atravessa agora: terrorismo, extremismo, a crise de refugiados, qual é a sua visão sobre o papel que a ONU deve desempenhar no mundo de hoje?

SG: A ONU precisa, em primeiro lugar,  de ser um instrumento para o aumento da diplomacia para a paz. E nós estamos a fazer todos os possíveis para enfrentar todas as crises que temos do Mali ao Sudão do Sul, à Líbia, à República Centro-Africana, à Síria, ao Afeganistão, à Somália. Temos feito tudo para convencer as partes desses conflitos, e aqueles que têm influência sobre eles ou que apoiam as partes do conflito, que nessas guerras não há vencedores. Ninguém está a ganhar. Todos estão a perder.
E isto é absolutamente essencial para que eles esqueçam as diferenças, as contradições de interesses e que possam realmente colocar um fim a essa trágica série de crises, violência e conflitos. Estes conflitos estão a tornar-se mais  interligados ao terrorismo global. Por isso, nós precisamos combater os terroristas onde eles estão, mas também temos que lidar com a causa do terrorismo. Isto significa, resolver o conflito, e ao mesmo tempo, criar sociedades coesas, onde as pessoas se possam sentir parte integrante, onde não se sintam discriminadas e respeitem os direitos humanos. Assim, as organizações terroristas terão mais e mais dificuldades em recrutar pessoas.
O desemprego jovem, por exemplo. Em certas partes do mundo, este é um dos problemas mais dramáticos que facilitam o trabalho de organizações terroristas ao recrutar pessoas que não têm nenhum futuro.
Nós precisamos de desenvolvimento sustentável, de direitos humanos e de uma abordagem de paz e segurança, para combinar todos os instrumentos da ONU com o objetivo de derrotarmos o terrorismo.

ON: Nós vemos os efeitos das alterações climáticas em todo o mundo. Qual é a sua mensagem para cada um nesta equação: Governos, sociedade civil, cidadãos, sobre o fenómeno e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?

SG: Primeiro, a mudança climática é hoje inegável. Eu acabei de voltar do meu país, Portugal, onde estamos a enfrentar uma enorme seca no sul. Estamos a ver incêndios florestais multiplicarem-se terrivelmente. Nos Estados Unidos, em Portugal e outras partes do mundo, estamos a ver ondas de calor, enchentes dramáticas que ocorrem na Serra Leoa, na Índia, no Nepal. Nós sempre tivemos cheias no passado, mas os desastres naturais estão a se tornar mais frequentes, mais intensos e com consequências mais arrasadoras. Nós estamos a ver um aumento de desertos, glaciares a diminuir. Os níveis do mar começaram a subir. Está claro que se trata de um ameaça a todos nós.
Em segundo lugar, nós temos hoje um instrumento importante para combater isto: o Acordo de Paris. Temos que assegurar que todos os países se comprometem com este tratado, e nos países que não possam fazer isto ao nível do Governo, certamente as sociedades, o setor privado, as cidades poderão liderar este caminho. Nós somos capazes de executar o Acordo de Paris, mas com uma ambição maior. O Acordo de Paris sozinho não será suficiente para conter o aquecimento global num nível aceitável.
Ao mesmo tempo, precisamos compreender a clara ligação entre a mudança climática e o desenvolvimento, e a sustentabilidade do desenvolvimento. Por isso, a Agenda 2030, com os seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, é o programa global endossado por todos os países-membros para alcançarmos uma globalização justa. Uma globalização que não esquece ninguém, ao contrário do que tem acontecido em anos recentes, onde vemos muitas regiões impactadas negativamente pelo progresso tecnológico ou a globalização.
É necessário assegurar que a globalização, que trouxe enormes desvantagens para a humanidade, não deixa ninguém para trás.

ON: Uma pergunta importante para mim: igualdade de género. Quando o senhor assumiu a liderança da ONU, prometeu fortalecer a iguladade de género dentro do Sistema das Nações Unidas. Ao olharmos para os últimos meses, está satisfeito com o que alcançou até agora? E quais são os seus planos (nesta área)?

SG: Eu nomeei (mulheres) ao mais alto nível na ONU. Entre as novas nomeações e a renovação de mandatos, temos agora 17 homens e 19 mulheres. Isto significa que a paridade está a ser levada a sério por mim, através das decisões que eu posso tomar. E nós teremos, até o fim do meu mandato, este é um compromisso muito forte, ao nível de secretário-geral adjunto e de subsecretários-gerais, em toda a organização, paridade absoluta.

ON: Na sua juventude, defendeu princípios nos quais acreditava. Hoje, o que diria para os jovens que querem fazer algo contra o racismo, a fobia ao islamismo, o antissemitismo e a discriminação?

SG: Eu acredito na juventude porque os jovens são mais cosmopolitas. Os jovens são menos propensos a tendências irracionais de nacionalismo, de xenofobia, racismo. Os jovens percebem que a diversidade é uma riqueza e não uma ameaça. Eu espero que os jovens levem as suas sociedades, as suas comunidades e os seus governos a compreenderem que eles precisam de políticas de coesão social, de políticas que permitam a cada um sentir que a sua identidade é respeitada e que, ao mesmo tempo, eles pertencem a uma comunidade como um todo.

ON: As pessoas gostariam de conhecer o lado mais pessoal do Secretário-geral. O senhor é um apaixonado por História. Quais são suas figuras favoritas?

SG: Bom, eu tive duas personalidades que foram muito, muito importantes e influentes na minha vida política. Ambos ideologicamente e em relação à atitude política, ao comportamento político. Um na minha juventude: Olof Palme. E outro numa etapa mais madura da minha vida: Nelson Mandela. Eu acho que eles correspondem a uma combinação fantástica. De um lado, as políticas que ao mesmo tempo claramente orientadas à igualdade, a uma visão progressiva do mundo, igualdade entre as pessoas e entre as sociedades.
Olof Palme deixou um contributo fantástico ao desenvolvimento de uma visão progressiva de seu país e das relações internacionais. Nelson Mandela é o símbolo do perdão, da tolerância e da capacidade de reconstruir a sociedade que estava tão profundamente e tão tragicamente dividida.

ON: Qual é o seu autor favorito e o seu livro preferido?

SG: Eu sou, como disse, um leitor compulsivo de História. Existem dois autores nesta área que considero o melhor que já li. Um é o francês Georges Duby. Ele foi um excelente medievalista. O outro é o britânico A.J.P Taylor. Mas, claro, eu sou português. Eu venho de um país de poetas e existe um poeta que considero absolutamente único: Fernando Pessoa.

ON: Com todas as suas responsabilidades como chefe da Organização para a qual as pessoas olham em busca de soluções num mundo complexo, como é que passa os seus tempos livres? Como se diverte?

SG: Bom, eu gosto muito de música. Eu vou a concertos, quase sempre óperas, gosto muito de arte contemporânea, e aqui em Nova Iorque, é o melhor lugar do mundo para isso. As galerias em Chelsea e outras partes, as exibições em vários museus.
Ao mesmo tempo, adoro viajar e tento descobrir aspectos de heranças culturais ou paisagens que são raras, ou ter contato com pessoas que são diferentes e que nos enriquecem com essa característica. Desta forma, eu diria que estas são talvez as áreas nas quais tento utilizar meu tempo livre, em benefício próprio.


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