ONU apresenta relatório sobre alegações de abuso sexual na organização

Com 99 alegações de exploração e abuso sexual descobertas pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015 – 69 das quais em países onde existem operações de manutenção da paz –, a organização apresentou o mais recente relatório sobre as medidas especiais para proteger as pessoas desses crimes.

Em dezembro passado, o Secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, prometeu rever, com urgência, as recomendações feitas por um painel independente  que afirmou que a ONU não agiu com a “rapidez, cuidado e sensibilidade necessárias” quando descobriu a informação sobre os crimes cometidos pelos soldados – que não estavam sob o comando da ONU –  contra  crianças na República Centro-Africana (RCA).

Entretanto, novas alegações de abuso sexual continuaram a surgir contra as forças de manutenção da paz no país, com a missão da ONU no terreno (conhecida pelo seu acrónimo em francês MINUSCA), a reportar, recentemente, sete novas possíveis vítimas, na cidade de Bambari.

“É lamentável quando os protetores, em casos raros, se tornam predadores”, disse Atul Khare, Subsecretário-geral da ONU para o Apoio em Campo, em entrevista ao Centro de Notícias da ONU.

Atul Khare apresentou o mais recente conjunto de medidas para evitar o abuso e exploração sexual, bem como uma atualização na implementação das 45 medidas introduzidas no ano passado. O Subsecretário-geral da ONU para o Apoio em Campo destacou que 22 dos casos reportados em 2015 tiveram lugar na RCA, enquanto que 16 foram relatados na República Democrática do Congo (RDC) e nove no Haiti.

Além destes países, foram reportadas alegações em Marrocos, África do Sul, Camarões, República do Congo, Ruanda e Tanzânia.

“Estamos completamente empenmhados em resolver a situação deplorável verificada com a MINUSCA”, disse Atul Khare aos repórteres, numa conferência de imprensa, em Nova Iorque. “Os acontecimentos desoladores verificados na República Centro-Africana são uma dolorosa lembrança de que devemos duplicar os nossos esforços para travar este flagelo e que estamos dependentes de uma forte parceria com os Estados-membros para fazê-lo”, acrescentou.

 

Melhorar a assistência às vítimas

O Subsecretário-geral defende que a organização e os seus parceiros devem adotar uma abordagem centrada na vítima, com urgente assistência psicológica, médica e legal; em particular quando se trata de crianças.

“A este respeito, o Secretário-geral propõe a criação de um fundo de segurança. Deve ser financiado voluntariamente, mas também a partir dos salários daqueles que enfrentam acusações significativas e que foram, entretanto, comprovadas”, explicou Khare, notando que cerca de 50 mil dólares já foram retidos até ao momento.

Outras propostas são o fortalecimento de todo o sistema de resposta e coordenação da ONU, criando “espaços seguros” para as vítimas apresentarem as suas queixas contra os soldados, conhecidos como capacetes azuis. Estes espaços devem existir em mais zonas, próximos das comunidades afetadas e com o apoio de organizações não governamentais.

“Não iremos poupar qualquer esforço para criar condições para que as vítimas apresentem as suas queixas e que estas sejam recebidas com séria consideração”, insistiu o oficial da ONU.

 

Aumento da transparência

Um segundo conjunto de recomendações apresenta medidas para aumentar a transparência da ONU, tais como um banco de dados online, com todas as informações sobre os casos, que ficará disponível na página oficial da ONU designada “Conduta e Disciplina”. O site irá conter detalhes que definam a natureza das alegações, o número de vítimas por alegação e o número de culpados por alegação.

“Irá também identificar os países de origem dos perpretadores e divulgar as medidas que foram tomadas, tanto pela ONU como pelos países envolvidos, no que diz respeito à investigação dos casos – se foram concluídos, que medidas disciplinares foram tomadas e que medidas da jurisdição criminal foram tomadas pelos países para aplicar um castigo apropriado e exemplar”, disse o Secretário-geral.

A ONU está a apelar aos Estados-membros que garantam que as sanções são proporcionais à gravidade da infração e que essa medida é aplicada. “Em alguns casos, temos visto punições que não parecem ser proporcionais à gravidade das infrações cometidas”, notou Atul Khare.

 

Fortes medidas disciplinares

A presença de equipas de resposta imediata conduzidas pela ONU também será reforçada, de modo que, logo que uma denúncia seja recebida, as provas possam ser, rapidamente, recolhidas e preservadas para os investigadores nacionais. Como a ONU não possui jurisdição criminal, é expectável que esses investigadores sejam escolhidos pelo país do qual são oriundos os culpados, num prazo limite de 10 dias após o alegado crime e que as suas investigações sejam concluídas dentro de seis meses.

“Nos casos em que um crime particularmente abominável tenha tido lugar, como a violação de uma criança, será pedido que este tempo seja reduzido para metade – apontando um investigador dentro de cinco dias e completando a investigação dentro de três meses”, sublinhou o alto funcionário.

O Secretário-geral pediu, também, que os Estados-membros obtenham amostras do ADN do pessoal que foi acusado. Além disso, no caso de um país falhar a investigação, Ban Ki-moon propôs que os pacificadores não possam mais trabalhar sob a alçada da bandeira da ONU. Em acréscimo, já foi estabelecido um mecanismo mais forte para verificar as habilitações  do candidato, podendo a organização verificar, através do mesmo, o passado criminal dos pacificadores em perspetiva.

“As medidas disciplinares foram fortalecidas desde o último ano”, destacou o Subsecretário-geral, apontando que os culpados não serão apenas repatriados, mas que os comandantes correm também o risco de serem enviados para casa “por não terem sido suficientemente rigorosos no seu comando e controlo”.

 

Medidas preventivas

A prevenção é também um elemento-chave apresesentado no relatório, incluindo formação específica antes do início da missão, cursos on-line obrigatórios e medidas adicionais como a aplicação de políticas de não-confraternização.

 Foto ONU: Eskinder Debebe

“O facto de alguém que serve sob a bandeira da ONU atacar os mais vulneráveis é uma abominação”, disse Khare. “Não vamos abrandar o ritmo da nossa resposta, vamos garantir que as medidas de prevenção são robustas, que as vítimas recebem apoio e as suas alegações são seriamente investigadas de modo a que, em última instância, seja feita justiça”.

Questionado sobre se a colocação de mais mulheres no terreno poderia limitar o risco de exploração e abuso sexual, Khare disse acreditar que um maior número de soldados da paz femininos poderia ajudar, não só na luta contra este assunto, em particular, mas também para melhorar a qualidade geral do trabalho dos capacetes azuis e a forma como a ONU leva a cabo os seus mandados em todo o mundo.

“Sinto-me envergonhado enquanto soldado da paz quando fico ao corrente de casos como este” disse o Sub Secretário-geral aos jornalistas, em referência à gravidez de uma menina de 13 anos.

“Temos de procurar não prejudicar o bom trabalho feito por dezenas de milhares de soldados da paz. Precisamos de identificar os culpados que deram má reputação à manutenção da paz, que criaram problemas dentro do país onde se encontram e, mais importante, que destruíram a vida de jovens inocentes. E precisamos de castigá-los de forma a que ninguém mais no futuro pense sequer em fazer o mesmo”, sublinhou.

7 de março de 2016Centro de Notícias da ONU/Traduzido & Editado por UNRIC


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