Raparigas devem escolher a ciência e “pensar fora da caixa, pensar de uma forma inovadora”, advoga Atefah Riazi

Atefah “Atti” Riazi, diretora do Gabinete de Tecnologia de Informação da ONU, leva sempre na sua mala uma chave de fendas, um canivete suíço e um iPhone.

“Claro, o iPhone”, riu-se, acrescentando que a este associa o Skype, para se manter em contacto com a família enquanto viaja. A aplicação favorita é o “Scratch”, um programa feito pelo Instituo Tecnológico de Massachusetts para ensinar as crianças a codificar.

“Eu digo aos meus filhos que eles não podem jogar um jogo até codificarem um. Esta é a única regra que temos”, disse em entrevista ao Centro de Notícas da Organização das Nações Unidas.

Atefah Riazi destaca que a sua experiência pessoal como mãe, juntamente com o seu papel de liderança no Gabinete de Tecnologia de Informação e Comunicação da ONU, lhe deram uma melhor compreensão dos desafios que a comunidade global tem enfrentado, ao longo dos últimos 15 anos, na tentativa de inspirar e envolver as mulheres e raparigas na ciência.

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Num esforço para promover uma maior participação das mulheres e raparigas na ciência, a ONU declarou, no ano passado, o dia 11 de fevereiro como o Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência. Ao fazê-lo, reconheceu que é imperativo o igual acesso e participação na ciência, tecnologia e informação para as mulheres e raparigas de todas as idades, como forma de alcançar a igualdade de género e a capacitação das mulheres e raparigas.

Mudança ao longo das próximas gerações

Atefah Riazi tem duas irmãs gémeas de dez anos, a última geração do que ela descreve como “uma família de mulheres fortes”, embora esteja bem ciente dos sacrifícios que muitas fizeram.

“Nasci no Irão e muitas das mulheres na minha família não tiveram acesso à educação. A minha avó foi uma órfã que casou aos nove anos – ela nunca teve permissão para frequentar a escola. Lembro-me de a ajudar a escrever quando estava, provavelmente, no primeira ou segunda class”.

“A minha mãe só teve permissão para frequentar a escola até à terceira classe – e ela sempre disse que a sua pior memória de infância é o tempo em que todos os seus irmãos foram para a escola e ela não podia ir, por ser rapariga. Teve de aprender a ser uma dona de casa”. Mas os pais de Atefah Riazi decidiram mudar a realidade para a geração seguinte.

“Eu venho de uma família que acredita realmente que as raparigas e rapazes podem fazer o que desejam, o que gostam de fazer. Embora a sociedade continue a pressionar as raparigas já que não se espera que estudem matemática ou engenharia, ao contrário dos rapazes Era simplesmente expectável que as raparigas se tornassem professoras e enfermeiras. Mas desde o início que eu não gostava da voz que me dizia constantemente que não podia fazer o que os rapazes podiam”.

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Em 1979, quando ocorreu a revolução iraniana, Atefah Riazi inscreveu-se num programa de engenharia elétrica da Universidade Stony Brook, em Nova Iorque (EUA), e era apenas uma das três mulheres na sua turma.

“Quando vim para este país, decidi que iria ser uma engenheira porque o meu irmão sempre disse que iria ser um engenheiro. Eu olhava para o passado da minha mãe e do meu pai – para o que eles não poderam ter, e sabia que tinha de mudar o percurso. Então segui engenharia”.

“No início foi difícil para mim porque se há coisa que não ensinamos às mulheres e raparigas, é a confiança. E eu passei o primeiro ano de engenharia a pensar “Meu Deus, isto é tão dificil, não consigo fazê-lo”. Mas desistir não era uma opção. Era uma estudante estrangeira, o meu país estava em conflito e não podia falhar”.

O impacto social da ciência e o lado negro da Internet

 “Aprendi a beleza da matemática quando olhei para ela a partir de uma perspetiva física social e foi quando tudo mudou. Escolher o ramo da tecnologia é ótimo, mas fazê-lo por motivos materiais é o caminho errado. Deve procurar-se uma grande causa. No setor da tecnologia temos muita inovação, mas não inovação responsável. Estamos a mover-nos da física para a física social – projetos de engenharia que têm um impacto social”.

“E quem escolhe trabalhar em engenharia ou tecnologia, o que está a tentar conseguir? Valor para a humanidade, este é o objetivo final. Percebi que, por muito tempo, especialmente no setor privado, usámos a tecnologia para melhorar os consumo e a produção. Mas como é que podemos usar a tecnologia para melhorar a vida dos seres humanos?”

Tem sido esta a questão fundamental que guia Atefah Riazi nos seus 30 anos da carreira em tecnologia, passando por cargos tais como chefe de Informação do Gabinete da Autoridade de Transportes Metropolitanos de Nova Iorque (estando na equipa que introduziu o cartão do metro) e funções na Associação de Habitação de Nova Iorque. Nos três anos de cargo na ONU, Atefah Riazi tenta equilibrar o raio de ação do seu trabalho entre a inovação e, devido ao lado obscuro da Internet e do crime cibernético, a proteção.

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“O que me mantém acordada à noite é o que chamo de “vingança tecnológica”, diz.

“O lado negro da Internet consiste nos sites em que não pode encontrar nem usar sem que se seja convidado. Por um certo preço, pode comprar uma criança, pode comprar uma pessoa para obter os seus órgãos, pode comprar drogas ou armas. A tecnologia não tem moral – criamos uma espécie que é muito mais inteligente do que nós e, em breve, especialmente com a inteligência artificial, irá substituir a mente humana”, alerta.

“O século XX foi um século incrível – o homem chegou à Lua, surgiram os antibióticos e a Internet em todo o mundo mudou, efetivamente, o mundo… Mas existem efeitos colaterais – 20 milhões de humanos foram traficados e 80% destes através do lado obscuro da Internet. Uma grande percentagem são mulheres e, aproximadamente, 30%o são crianças”.

“Como lidamos com esta vingança tecnológica? Como podemos proteger as nossas crianças? Se olharmos para o impacto dos ataques cibernéticos e as guerras cibernéticas do futuro, onde os criminosos podem, facilmente, deitar abaixo a rede elétrica de um país, temos de pensar nesse impacto ao nível dos hospitais, água, comida, transportes, vida humana. Estamos completamente despreparados para isso”.

“A ONU, que tem como missão a paz e segurança, os direitos humanos, o desenvolvimento e o Estado de Direito, deve pensar sobre o que significa tudo isto no mundo cibernético. Serão os soldados da paz do futuro os dos dias de hoje? Será o desenvolvimento feito através do mundo físico ou será através do mundo cibernético? Temos de ter grandes discussões filosóficas sobre estes assuntos porque, no mundo cibernético, governo, regras, lei e sociedade civil não têm grandesignificado. Como podemos criamos uma força positiva dentro do mundo cibernético? Porque a força negativa já está criada, dentro do lado obscuro da Internet”.

Qual é a sua resposta? Atefah Riazi defende a “Internet clara” – um espaço onde as tecnologias se podem unir com o objetivo de promover o bem global.

“A ONU tem a habilidade, capacidade e aptidão para agir no mundo físico e cibernético”, insiste. “Pode fazer coisas como levar médicos, via Internet, até às aldeias onde ninguém quer ir ou  promover a educação online, levando conhecimento para partes do mundo que nunca tiveram acesso a ele anteriormente”.

unicefModernizar o trabalho efetuado pelos funcionários da ONU

Enquanto diretora do Gabienete de Tecnologia da Informação, Atefah Riazi diz que o seu trabalho diário se traduz na procura de meios para implementar tecnologias que apoiem os desafios críticos da ONU.

“Tudo o que fazemos é para apoiar o trabalho crucial dos funcionários da ONU em todo o mundo, ajudando-os a fazer o seu trabalho mais eficientemente. Desta forma, o Gabinete de Tecnologia da Informação é fundamental para o trabalho de fundo da ONU. A tecnologia assume o seu papel em todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e estamos à procura de novos meios para trabalhar com muitas entidades da ONU, para lhes dar as ferramentas que precisam para fazer o seu trabalho, quer se trate de análise de dados para estimativas, novas tecnologias no terreno tais como dinheiro digital ou telemedicina, ou, simplemente, uma melhor maneira de procurar, rapidamente, documentos da ONU”, disse.

“A ONU é também a guardiã de uma base de dados sem paralelo da história socioeconómica e política do mundo. Permitir que essa base de dados seja acessível para o público e colaborar com os seus parceiros irá ajudar-nos a tomar melhores decisões e a apoiar o concretizar a missão da ONU na paz e segurança internacional, direitos humanos, lei internacional, ajuda humanitária e desenvolvimento sustentável.”

“Penso que há sempre uma oportunidade para a inovação tecnológica e para pensar “fora da caixa”. É verdade que dentro das entidades governamentais demora o seu tempo, porque têm responsabilidades para com os seus cidadãos ou mesmo para com os Estados-Membros. Mas, por exemplo, os cortes financeiros que os governos enfrentam, frequentemente, forçam as organizações a inovar através da tecnologia. E isto é, exatamente, o que estamos a fazer dentro da ONU. Há uma grande vontade de mordernização, de automatizar os processos, de os tornar mais eficazes para que quando temos de responder a uma crise, o façamos juntos. Podemos passar de reação às crises para uma fase de prevenção das crises – a qual requer uma inovação unida em termos da forma que estamos a estruturar, da forma como respondemos e das tecnologias que usamos.”

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“É bom ser “nerd”, significa ser inteligente”

No entanto, com a necessidade crescente de inovação, Atefah Riazi está consciente de que a tecnologia permanece uma das áreas onde há menos  mulheres, particularmente em funções de gestão, algo que a entristece.

Riazi cita multiplas razões pelas quais acredita que as mulheres estão pouco representadas na tecnologia. “Para começar, acho que não ensinamos bem a matemática às raparigas. Dizem que se aos 11 anos de idade não se ensinar uma rapariga a gostar de matemática ela começa a distanciar-se. E existem demasiadas pressões nos media.  Se olhar para a televisão e para os filmes, os técnicos e cientistas continuam a ser vistos como “nerds” e essa imagem negativa não ajuda as mulheres a ocuparem esse espaço. E quando não estamos lá, as nossas vozes não são ouvidas.”

É tempo para as raparigas se apoderarem da palavra “nerd” e usarem esse apelido com orgulho.

“No regresso da escola de uma das minhas filhas que tinha uns óculos novos, ela disse-me: “Mãe, chamaram-me “nerd”. E eu respondi: “És tão sortuda por te chamarem nerd! Isso é fabuloso , devemos celebrar. Porque nerds são as pessoas mais inteligentes. Tudo tem que ver com uma visão positiva, porque as crianças dizem estas coisas porque os seus pais também as dizem e porque os media repetem. O que é um “nerd”? É uma pessoa  muito inteligente e brilhante. É o que eu digo às minhas raparigas.”

Como conselho para aspirantes a inovadores tecnológicos, Atefah Riazi diz que devem “pensar fora da caixa, pensar numa forma inovadora”, mas sabe  quye isso é um desafio.

“Vamos olhar para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Daqui a15 anos não queremos ter nem fome nem doenças; queremos igualdade de género, acesso universal à educação, cidades menores, travar as alterações climáticas e ter oceanos limpos. Será que se pode criar água do nada? Ou transfornar plantas para que não precisem de água e, assim, contribuir para o fim da seca? Poder-se-à criar algoritmos que ajudam a melhorar a deteção de doenças? Estas são questões que coloco às raparigas que estejam a começar a sua carreira de engenharia. Peço-lhes que me respondam a uma destas questões.”

E o que devem dizer os pais às filhas que lhes anunciarem que querem trabalhar em tecnologia?

“Brilhante. Ótima escolha”.

  11 de fevereiro de 2016, Centro de Notícias da ONU/Traduzido & Editado por UNRIC


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