Relatório da ONU alerta para litania de violações e abusos na Líbia

Um relatório da ONU, publicado esta quinta-feira, documenta violações e abusos cometidos um pouco por todo o território da Líbia, desde o início de 2014. O relatório recomenda a tomada de medidas urgentes no combate à impunidade, bem como o reforço e reforma do setor da justiça.

“Apesar da situação atual dos direitos humanos na Líbia, o país apenas esporadicamente aparece nas primeiras páginas da imprensa mundial. Uma grande diversidade de entidades – estatais e não estatais – são acusadas de violações e abusos muito graves que chegam a ser, em muitos casos, considerados crimes de guerra”, disse o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein.

 Listagem das violações e abusos documentados:

  • Assassinatos: foram relatados casos em todas as áreas de conflito e pela maioria dos principais grupos armados, incluindo a execução de pessoas que foram  detidas, sequestradas ou que expressarem posições consideradas dissidentes.
  • Ataques indiscriminados: desde 2014, muito ataques parecem ter tido uma natureza indiscriminada, mais com particluar impacto nas áreas residenciais mais populosas tais como Benghazi, Tripoli, Warshafana, as Montanhas Nafusa e a zona sul da Líbia. Não foram tomadas as precauções necessárias para proteger os civis, bem como pessoas e locais que estão especificamente sobre proteção do Direito Humanitário Internacional Humanitário tais como instituições de saúde, ambulâncias, médicos e trabalhadores humanitários.
  • Tortura e maus-tratos: o uso da tortura é generalizado, particularmente, em centros de detenção, com relatórios de espancamentos com tubos de plástico ou cabos elétricos, suspensão prolongada em posições de stresse, prisão isolada, eletrocussão, privação de comida e água, ameaças de natureza sexual e extorsão. A tortura resultou na morte de detidos em vários lugares de detenção, incluindo várias instalações da polícia e de serviços secretos militares.
  • Raptos e desaparecimentos: vários desaparecimentos foram atribuídos às forças de Estado e aos grupos armados.
  • Violência com base no género e discriminação contra as mulheres: houve uma série de ataques por parte dos grupos armados contra as mulheres ativistas, desde 2014. O assassínio de ativistas conhecidas, como Salwa Bugaighis, Fareeha Al-Berkawi e Intissar Al-Hasaeri, e as ameaças, assédio e assaltos que atingiram muitas outras mulheres parecem estar a ser realizados para passar a mensagem de que as mulheres não devem ter voz na esfera pública. Relatórios sobre violência sexual são de difícil dcumentação em termos de provas pelo medo de retaliações, estigma, pressão familiar e trauma. Num dos casos, a mulher disse que foi sequestrada em Tripoli por membros de um grupo armado, drogada e violada, repetidamente, ao longo de seis meses. A mesma forneceu, ainda, informações relativas a seis raparigas com cerca de 11 anos de idade que foram sujeitas a violência sexual pelos membros do mesmo grupo.
  • Defensores dos direitos humanos e jornalistas: desde 2014, os defensores dos direitos humanos têm sido alvo de assassinato, tentativa de assassinato, sequestro, ameaças, controlo de movimentos e ataques às suas casas e escritórios. O medo gerado por estas ações, o estatuto social das pessoas atingidas e a impunidade de que gozam os seus autores tem obrigado muitos defensores dos direitos humanos a esconderem-se ou a fugir. Os jornalistas também têm sido sujeitos destes ataques que vão desde o assassinato à ameaça de morte, detenção arbitrária e rapto.
  • Migrantes: particularmente vulneráveis à exploração e abuso por parte das autoridades, grupos armados e contrabandistas, muitos migrantes têm sofrido detenção arbitrária prolongada, tortura, trabalho forçado, extorção, tráfico e violência sexual.  Os nacionais de países da África subsaariana têm estado, particularmente, em risco enquanto que as mulheres migrantes têm sido alvo de violência sexual e exploração, dentro e fora das áreas de detenção. Um grande número de migrantes permanece detido sem acesso a revisão judicial, incluindo pelo menos 3,245 pessoas só no leste da Líbia.
  • Crianças: casos de recrutamento forçado e uso das crianças em hostilidades por grupos que prometem lealdade ao ISIS também foram documentados. Algumas teriam sido forçados a passar por treinos religiosos e militares, e a assistir a vídeos de decapitações, havendo ainda outras que afirmaram ter sido abusadas sexualmente.

 

Falhas no sistema de justiça

“Um dos elementos mais marcantes deste relatório é a completa impunidade que continua a prevalecer na Líbia e as sistemáticas falhas do sistema de justiça”, disse o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos.

“Este relatório demonstra, claramente, que o sistema de justiça não tem os meios ou a capacidade para conduzir de forma rápida, independente e credível as investigações ou processar os responsáveis pelas violações ou abusos dos direitos humanos”, acrescentou Zeid Ra’ad Al Hussein .

Desde 2014, juízes e funcionários dos tribunais têm sido vítima de assassinatos, bombardeamentos dos tribunais, assaltos e raptos. Como resultado, os tribunais em Derna, Sirte e Benghazi cessaram atividade em 2014, com limitadas reativações de tribunais em algumas partes de Benghazi, em 2015, e as vítimas têm tido poucos recursos para procurar proteção ou uma solução efetiva. Esta impunidade está a facilitar a ocorrência de mais abusos.

“Na ausência de uma proteção apropriada, o poder judiciário não pode fazer justiça”, diz o relatório, destacando que o sistema que deveria providenciar segurança é “inadequado e imperfeito”, com milhares de membros dos grupos armados a serem integrados na Polícia Judiciária, com habilitação limitada.

Embora reconhecendo os desafios significativos enfrentados pelas autoridades, o relatório recomenda uma ação urgente para travar a proliferação dos grupos armados através de processos de desarmamento, desmobilização e reintegração e através de um programa de controlo para remover e prevenir o recrutamento dos responsáveis individuais pelas violações e abusos dos direitos humanos.

O relatório apela, ainda, à comunidade internacional que garanta que o Tribunal Internacional Criminal, que tem jurisdição sobre a Líbia, tenha os recursos necessários para levar a cabo estas investigações e perseguições.

O relatório sugere, também, um número de ações prioritárias, incluindo:

  • Abordar as ameaças à segurança na administração da justiça
  • Reformar a Polícia Judicial
  • Estabelecer um robusto programa de proteção das vítimas e testemunhas
  • Estabelecer uma estrutura judicial especializada dentro dos tribunais da Líbia para se focar nos crimes praticados sob o Direito Internacional.
  • Organizar reuniões de alto nível para juntar os agentes líbios e os parceiros internacionais pna discussão de iniciativas que aumentem a prestação de contas na Líbia
  • Ouvir os responsáveis individuais pelo planeamento, direção e realização de atos que violam a aplicabilidade da Lei Internacional dos Direitos Humanos ou atos que constituem um abuso dos direitos humanos sob o regime de sanções do Conselho de Segurança, assegurando que qualquer sanção imposta é acompanhada de garantias processuais rigorosas que assegurem o cumprimento das normas do devido processo legal.

 

25 de fevereiro de 2016, OHCHR/Traduzido & Editado por UNRIC


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