Síria: dez anos de um “pesadelo” sem fim à vista

Há dez anos, uma revolta pacífica contra o presidente da Síria provocou uma guerra civil com proporções dramáticas. Desde então, 13 milhões de sírios foram forçados a abandonar as suas casas. 5 milhões de crianças nascidas no país nunca conheceram a paz e 1 milhão de crianças já nasceram refugiadas em países vizinhos. Em 2020, a covid-19 veio aprofundar as carências humanitárias, levando o já debilitado sistema de saúde ao limite.

O rasto de destruição deixado pela guerra continua a crescer. Ao fim de dez anos de conflito, 13 milhões de sírios foram forçados a fugir das suas casas. Desses, 6,6 milhões estão refugiados noutros países, representando um quarto do total da população refugiada ao nível mundial. No país, 13,4 milhões carecem de ajuda humanitária e 2,5 milhões de crianças não têm acesso à escola. Além das inúmeras vidas perdidas, a Síria viu o seu património histórico e cultural ser reduzido a cinzas. Fique a conhecer, com a ONU Portugal, os contornos daquele que é um dos conflitos mais trágicos da atualidade.

As últimas estimativas do Observatório Sírio para os Direitos Humanos (SOHR) apontam cerca de 400 mil mortos desde o início da guerra.

UNOCHA©

“Depois de uma década de conflito, lutando contra uma pandemia e um fluxo constante de novas crises, a Síria desapareceu das capas dos jornais (…) E, ainda assim, a situação continua a constituir um pesadelo real” – secretário-geral da ONU, António Guterres, 2021

Os primórdios do conflito

A origem do conflito sírio remonta a um período de protesto e descontentamento generalizado da população síria face à alta taxa de desemprego, à corrupção e à falta de liberdade política. Em março de 2011, a Primavera Árabe trouxe à superfície o estado frágil de uma Síria liderada pelo mesmo presidente desde 2000.

Inspiradas pela revolta árabe, as primeiras manifestações pró-democracia exigiam a deposição do presidente Bashar al-Assad, que sucedeu ao pai. A oposição violenta de Assad às manifestações pacíficas motivou a eclosão de protestos em todo o país e iniciou oficialmente a Guerra Civil Síria – um dos mais mortais conflitos em curso no mundo.

Em julho de 2011, o mundo assiste à formação do Exército Livre da Síria (ELS), composto por cidadãos e militares que desertaram do Exército Sírio. Estima-se que cerca de 40 mil soldados tenham desertado do Exército nacional para formar aquela que é hoje uma das principais fações da oposição ao governo de Bashar al-Assad.

O conflito começa a ganhar novos contornos depois de fações fundamentalistas de todo o mundo emergirem e consolidarem o seu poder no país[1]. É por volta desta altura que a Síria se torna numa guerra proxy. O conflito sírio opõe a maioria muçulmana sunita, apoiada pelos estados do Golfo, e as forças xiitas alawitas leais ao presidente sírio, apoiadas pelo Irão e pela Rússia – os aliados mais importantes de Assad.

Destruição em Aleppo. UNOCHA©

O conflito sírio despoletou uma das maiores violações dos direitos humanos no mundo com graves repercussões regionais e internacionais. A primeira foi a utilização de armas químicas de forma indiscriminada contra civis por parte do governo de Bashar al-Assad e a segunda foi o ataque de grupos armados não-estatais às populações.

A obstrução do acesso à ajuda humanitária, a opressão política e a prática de tortura dentro das prisões estatais fazem parte do legado sangrento de uma guerra sem fim à vista.

Números trágicos

Ao fim de dez anos de crise, as necessidades humanitárias agravam-se profundamente. A complexidade dos conflitos internos, a luta política entre os Estados influentes na região, o aglomerado de deslocações e a erosão das comunidades locais torna a crise Síria numa das maiores e mais complexas do mundo.

“Os números são assustadores, vergonhosos e profundamente trágicos” afirmou a Alta Comissária dos Direitos Humanos, Michelle Bachelet, ao comentar, em setembro de 2019, as mortes provocadas pelo conflito sírio.

Existem mais de 6,6 milhões de refugiados sírios registados noutros países e mais de 7 milhões de deslocados internos, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Mais de metade da população síria foi forçada a fugir da violência e representa um quarto da população total de refugiados no mundo.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) deu conta de que 2,5 milhões de crianças estão privadas de acesso escolar perante a destruição das escolas. Outras são forçadas a trabalhar ou a casar. 2018 foi o ano mais mortal para as crianças, com mais de mil mortas em combate – o maior número anual de vítimas desde o início da guerra em 2011.  Dados das Nações Unidas mostram que, desde 2011 até abril de 2014, foram mortas cerca de 8.803 crianças. Já dados do Observatório Sírio para os Direitos Humanos (SOHR) estima 22 mil crianças mortas durante o conflito.

O Ahmad tem 12 anos e está no campo de refugiados Al-tah IDP, impedido de ir à escola pela Covid-19. UNOCHA©

De acordo com a UNICEF, muitas crianças trabalham 12 horas por dia, apenas para comprar pão ou vegetais e apoiar a família.

O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) aponta que 13,4 milhões de pessoas na Síria necessitem de assistência humanitária. Este número representa três vezes o total contado em 2012. Cerca de 8 em cada 10 pessoas na Síria vive abaixo do limiar de pobreza.

Os países vizinhos acolhem a maioria dos refugiados sírios

O aumento da violência e a vulnerabilidade extrema obrigou milhões de sírios a fugir e a refugiar-se nos países vizinhos. A Turquia é o país vizinho com o maior número de refugiados sírios, seguindo-se o Líbano, da Jordânia, do Iraque e do Egito, avança a OCHA. As restantes populações refugiadas estão espalhadas por outras regiões africanas e 1,05 milhões estão na Europa.

UNOCHA©

A eclosão do número de refugiados deu-se em 2015, com um aumento abrupto do número de pessoas a fugir do conflito. A tendência registada a partir desse ano mantém-se até 2021.

A destruição generalizada das infraestruturas civis e as limitadas oportunidades económicas colocam muitos sírios numa situação de vulnerabilidade extrema. As crianças, mulheres grávidas e lactantes, pessoas com deficiência, idosos e outros grupos de indivíduos com necessidades específicas enfrentam uma vulnerabilidade extrema.

Em 2019, 6,5 milhões de sírios sofriam de malnutrição e necessidades alimentares agudas – situação agravada pela falta de acesso aos cuidados de saúde.

 As Nações Unidas na Síria

Desde a eclosão do conflito, as Nações Unidas desempenharam um papel central na Síria. Ao lado da própria população e dos parceiros humanitários, a ONU apoiou a população do país através da assistência direta e de programas específicos ao longo de todo o conflito. As organizações humanitárias juntam-se a esses esforços e contribuem, juntamente com a ONU, para uma das maiores respostas humanitárias do mundo. As próprias populações sírias têm desempenhado um papel igualmente fundamental na gestão humanitária da crise, através das estruturas de apoio familiar e comunitário, das ONGs e das instituições governamentais.

Em 2020, 7,6 milhões de pessoas receberam assistência alimentar mensal.

264 trabalhadores de assistência humanitária foram mortos em serviço, entre 2011 e 2020.

922 profissionais de saúde morreram em bombardeamentos ou ofensivas militares.

À medida que a crise avança, os esforços comprovam-se insuficientes para atender às necessidades humanitárias do país. O investimento em soluções mais dignas e sustentáveis ​​para reduzir a dependência e aumentar a resiliência são fundamentais na resposta – mas são impedidos devido à insuficiência de recursos.

Em 2019, a resposta humanitária fez diferença na vida de milhões de pessoas, todos os meses:

  • 4,5 milhões receberam assistência alimentar
  • 1,9 milhões de pessoas receberam assistência agrícola
  • 7,6 milhões de pessoas receberam água direta, kits de saneamento / higiene e assistência
  • 4,7 milhões de crianças e professores se beneficiaram de programas de educação de qualidade
  • 439 meninas e meninos acessaram os serviços de proteção

A Síria em 2021

Em 2021, prevê-se que o cenário na Síria permaneça complexo. As hostilidades e a insegurança vão continuar, principalmente no Noroeste do país – o que pode aumentar o fluxo de deslocações de civis.

Em 2021, o cenário na Síria mantém-se complexo. A persistência das hostilidades e a insegurança mantêm-se, principalmente no Noroeste, agravadas pela pandemia, que tem levado o sistema de saúde sírio ao limite.

Os bombardeamentos continuam, forçando centenas de milhares de pessoas a fugir em busca de segurança no noroeste da Síria, que se concentram a norte de Idleb, em Afrin, Azaz e Al Bab.

A ONU e os parceiros humanitários lançaram uma campanha com o objetivo de angariar total de 2,8 mil milhões de euros para atender às necessidades humanitárias na Síria.

Para dar apoio aos refugiados sírios na região e apoiar suas comunidades anfitriãs, a ONU pretende angariar 4,4 mil milhões de euros.

Faça a sua contribuição, aqui.

Fontes:

https://data2.unhcr.org/en/situations/syria
https://www.hrw.org/world-report/2019/country-chapters/syria
https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=24851&LangID=E
https://nacoesunidas.org/acnur-8-fatos-sobre-a-guerra-na-siria/

[1] Em janeiro de 2012 a Al-Qaeda forma um novo grupo jihadista denomiado Jabhat Fateh al-Sham, outrora chamado Frente Al-Nusra. Nessa mesma altura, grupos sírios-curdos, que há muito procuravam autonomia, rebelam-se e separam-se das forças de Assad no norte do país. Em Fevereiro de 2014 há um acontecimento que transforma para sempre a guerra na síria: a criação do Estado Islâmico do Iraque, da Síria e do Levante (EI), um grupo dissidente da Al Qaeda, com base no Iraque que cria um mini-estado ao qual chama Califado. O ISIS não combate directamente contra Assad mas contra outros grupos rebeldes e curdos. Em setembro de 2014, os EUA começam a bombardear o ISIS, tornando-se no inimigo número um dos EUA. A Turquia, por sua vez, começa a bombardear grupos curdos que lutam contra o ISIS na Síria. Este leva a um dos maiores problemas no conflito da Síria: os EUA querem combater o EI  mas os seus aliados turcos e do Médio Oriente têm outras prioridades internas.


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