Tensão russo-ucraniana: “A negociação é a única forma de abordar as diferenças”

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, confirmou o destacamento de tropas da Federação Russa na Ucrânia Oriental para uma alegada “missão de paz” que de acordo com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, representa uma “violação da integridade territorial e da soberania da Ucrânia” e uma clara falta de cumprimento da Carta das Nações Unidas e dos Acordos de Minsk.  

De acordo vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, “acordámos hoje perante um dos dias mais negros da história da Europa. Mas como é que chegamos a este ponto? E quais são as potenciais consequências “catastróficas” de um conflito militar na Europa?  

CAUSAS 

A tensão russo-ucraniana não é um fenómeno recente. O representante permanente da Ucrânia junto das Nações Unidas, Sergiy Kyslytsya, quando questionado pela imprensa sobre a presença de tropas na Ucrânia, afirmou firmemente que a presença de tropas russas naquele país acontece desde 2014: “Basicamente o que temos agora é uma tentativa da Federação Russa de legalizar uma situação que já existe a 8 anos”, explica o diplomata. 

@UN Photo/Evan Schneider. O representante permanente da Ucrânia Junto das Nações Unidas, Sergiy Kyslytsya presta declarações à imprensa após a reunião de emergência do Conselho de Segurança.

Mas apesar das tropas russas estarem presentes na Ucrânia só desde 2014, especificamente na Crimeia, a crise russo-ucraniana remonta aos anos 90 – à altura da dissolução da União Soviética- da qual ambas, Ucrânia e Federação Russa, faziam parte. Nessa altura, uma série de protocolos, incluído o primeiro Acordo de Minsk e o Protocolo de Lisboa de 1992, foram desenvolvidos e assinados para assegurar que, em troca da devolução de centenas de armas nucleares de Kiev, Moscovo não iria atacar a Ucrânia. no entanto, em 2014, com a anexação da Crimeia, todos estes acordos foram-se desrespeitados tendo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia argumentado que “as garantias de segurança [assinaladas no Acordo de Minsk] foram dadas ao governo legítimo da Ucrânia, mas não às forças” atuais. Consequentemente, desde 2014 que os cidadãos ucranianos vivem com um constante receio de uma invasão russa.   

Porquê agora? Com a expansão da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) nos últimos anos para os países da Europa do Leste, em 2021, vários membros desta organização, tal como Espanha, a Lituânia e a Letónia demonstraram o seu apoio para a integração da Ucrânia. No entanto, a Rússia expressou que uma integração da Ucrânia seria “inaceitável”. Estas declarações e o possível estatuto da Ucrânia como Estado-membro da NATO agravaram as tensões entre os Estados Unidos, a NATO e a Rússia. Com esta escalada rápida mas progressiva chegamos ao dia de hoje, onde a Federação Rússia confirmou a sua presença na Ucrânia, nas regiões de Donetsk e Luhansk, onde existem movimentos pro-Rússia independentes e onde também se encontram missões das Nações Unidas. As regiões separatistas de Donetsk e Luhansk, onde forças ucranianas e separatistas apoiadas pela Rússia estão em conflito desde 2014, foram reconhecidas ontem pela Federação Russa como soberanas e independentes, num passo final para a transgreção total dos Acordos de Minsk.

CONSEQUÊNCIAS

O secretário-geral das Nações Unidas, no discurso de abertura da Conferencia de Segurança de Munique afirmou que um conflito militar na Europa entre a Rússia e a Ucrânia seria “catastrófico”. Um conflito desta dimensão terá repercussões significativas não só para os países diretamente envolvidos, mas também para a Europa e o mundo inteiro. A representante permanente dos Estados Unidos da América Junto da ONU, Linda Thomas-Greenfield afirmou que as consequências das ações russas serão sentidas “muito para além das fronteiras da Ucrânia“.

@UN Photo/Evan Schneider. Representante Permanente dos Estados Unidos junto das Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield na reunião de emergência do Conselho de Segurança.

Para além das sanções já anunciadas pelo Reino Unido, a Alemanha e os Estados Unidos, há também outros Estados-membros que já declararam a sua intenção de sancionar a Rússia. O que poderá agravar um potencial êxodo massivo de homens, mulheres e crianças ucranianas que fogem das tropas russas. Esta enchente de refugiados impactará toda a Europa e particularmente os Estados-membros europeus, que, de acordo com os princípios das Nações Unidos, definidos na sua Carta, e sublinhados nas declarações do alto-comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi, têm a “responsabilidade e obrigação de receber e proteger os refugiados no seu próprio território.”

Uma disrupção na Europa do Leste também representará um aumento devastador nos preços do gás e do petróleo e uma destabilização geral dos mercados financeiros. Estes efeitos serão pressentidos em todo o mundo, incluindo na Austrália onde os preços do gás já estão a subir e na Ásia onde os efeitos nos mercados financeiros do conflito russo-ucraniano já são evidentes. 

SOLUÇÕES 

Guterres, num comunicado publicado horas após o deslocamento de tropas russas para a zona de Donetsk e de Luhansk, apela a “todos os atores relevantes a concentrarem os seus esforços em assegurar a cessação imediata das hostilidades, a proteção dos civis e das infraestruturas civis, a prevenção de quaisquer ações e declarações que possam agravar ainda mais a situação perigosa na Ucrânia e nas suas redondezas e a prioridade da diplomacia na abordagem pacífica de todos os problemas.” 

Ainda não é tarde de mais para a diplomacia. Na reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações Unidas que contou com a presença de vários Estados-membros que incluem os Estados Unidos da América, a Federação Russa, o Brasil, o Quénia e a Ucrânia, o representante russo junto das Nações Unidas, Vasily Nebenzya, pronunciou-se “aberto à diplomacia para uma solução diplomática”. Segundo as palavras da subsecretária-geral da ONU para os Assuntos Políticos, Rosemary diCarlo, no meio dos atuais riscos e incertezas, é ainda mais importante prosseguir o diálogo” e atualmente, a negociação é a única forma de abordar as diferenças“.  


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