UNGA78: Guterres alerta que “governação mundial está parada no tempo”

Num mês de agenda preenchida, repleto de acontecimentos e eventos importantes, entre a abertura da 78ª sessão da Assembleia Geral, seguida pelo segmento de alto-nível, o Debate-Geral, e em paralelo com a Conferência da ONU sobre os ODS, o secretário-geral da ONU dirigiu-se à Assembleia Geral e aos líderes mundiais.  

No seu discurso, que tocou nos principais desafios e problemas da atualidade, António Guterres não poupou críticas à inação dos estados e à necessidade de reforma do sistema internacional.  

Veja o discurso do secretário-geral da ONU na abertura do Debate Geral da 78ª sessão da Assembleia Geral da ONU

Tragédia na Líbia

O secretário-geral da ONU começou por destacar a devastação em Derna, na Líbia, causada por inundações sem precedentes, e que retirou a vida a milhares de pessoas. O “moderador do mundo” enfatizou que muitos dos desafios atuais se fundiram neste terrível cenário infernal, uma tragédia épica que, além das perdas fatais levou também à deslocação forçada de inúmeros líbios. Para Guterres, este é o resultado direto de anos de conflito e de negligência, alterações climáticas e falta de uma liderança global orientada para a paz. O líder da ONU explicou que “no momento em que as suas palavras foram proferidas, corpos dão à costa no mesmo Mar Mediterrâneo onde os bilionários tomam banhos de sol nos seus super iates”, ilustrando assim a interconexão dos desafios globais e a necessidade de ação imediata. 

Mundo multipolar que precisa de multilateralismo 

António Guterres continuou a sua intervenção lembrando que “assistimos uma transição para um sistema mundial multipolar, com várias potências globais.” “No entanto, a multipolaridade não pode, por si só, garantir a paz. No início do século XX, a Europa tinha numerosas potências, mas não dispunha de instituições multilaterais sólidas. O resultado foi a Primeira Guerra Mundial. Um mundo multipolar precisa de instituições multilaterais fortes e eficazes.”, acrescentou o diplomata português.  

Para manter a paz e a estabilidade, é, portanto, essencial fortalecer as instituições multilaterais, como as Nações Unidas, para que reflitam as realidades políticas e económicas do século XXI. Para o líder da ONU, tal também implica olhar para dentro do próprio organograma da ONU e saber identificar que alterações deverão ser implementadas.  

Foto ONU/Eskinder Debebe O secretário-geral António Guterres (à esquerda) fala com Dennis Francis, Presidente da 78ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, antes da abertura da septuagésima oitava sessão do Debate da Assembleia Geral.

Reformar instituições  

“A governação mundial está parada no tempo”, especialmente o Conselho de Segurança que está preso a uma realidade que reflete o mundo político e económico de 1945, quando muitos dos países presentes na Assembleia Geral estavam ainda sob domínio colonial. 

O mundo mudou, mas as suas instituições não o fizeram necessariamente. No seu discurso, o secretário-geral da ONU argumentou que as estruturas de governança global, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas e o sistema financeiro internacional, estão desatualizadas e precisam de ser reformadas para serem mais equitativas e eficazes. “Somente adaptando as instituições às realidades económicas e políticas atuais poderemos eficazmente resolver os problemas tal como eles são, num espelho do mundo tal como ele é.” 

Ameaça das alterações climáticas 

A poucas semanas da COP 28, Guterres apelou aos líderes mundiais que adotassem medidas ousadas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, abandonar o uso de combustíveis fósseis e cumprir os objetivos do Acordo de Paris. Regressando ao flagelo das alterações climáticas, “a sua gravidade consiste numa preocupante ameaça existencial à escala mundial, e que, contudo, continua a constituir uma injustiça para as nações mais vulneráveis e menos culpadas.” 

Foto ONU/ Cia Pak O secretário-geral António Guterres sobe ao pódio para discursar na abertura da 78ª sessão do Debate da Assembleia Geral sobre o tema “Reconstruir a confiança e reacender a solidariedade global: acelerar a ação sobre a Agenda 2030 e os seus Objectivos de Desenvolvimento Sustentável rumo à paz, prosperidade, progresso e sustentabilidade para todos.”

Direitos humanos e igualdade de género 

“Nós, os Povos” não significa “Nós, os homens” sublinhou Guterres. Numa altura em que, por todo o mundo, os direitos das mulheres – incluindo os direitos sexuais e reprodutivos – estão a ser suprimidos e até mesmo reduzidos, e as suas liberdades restringidas, o secretário-geral reiterou a importância dos direitos humanos, principalmente da igualdade de género, enquanto pedra angular para enfrentar os desafios globais. 

Contudo, não são só os direitos das mulheres que têm de ser protegidos; combater a discriminação racial e étnica e abordar as consequências das novas tecnologias, em especial da IA, para os seres humanos é uma missão de especial relevância.  

Poder do multilateralismo e da ONU 

Finalizando numa nota mais positiva, António Guterres ressalvou o importante papel catalisador da ONU na cooperação mundial e na prevenção daquele que poderia ter sido um dos maiores derrames de petróleo da história. Se uma ação global coordenada foi capaz de impedir que 1.4 milhões de barris de petróleo fossem derramados no Mar Vermelho, será também capaz de enfrentar desafios como as alterações climáticas, uma reforma institucional, direitos humanos e igualdade de género. “Só assim alcançaremos um futuro mais pacífico e sustentável para todos.” 


Direito Internacional e Justiça

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