Artigo de Opinião: Salvar o Afeganistão

O seguinte artigo de opinião foi escrito pelo subsecretário geral para os Assuntos Humanitários e Coordenador da Ajuda de Emergência, Martin Griffiths, e pelo antigo primeiro-ministro e chanceler do Tesouro do Reino Unido, Gordon Brown, que é atualmente o enviado especial da ONU para a Educação Global e Presidente da Comissão Internacional sobre o Financiamento da Oportunidade de Educação Global.

Já passaram mais de quatro meses desde a saída dramática dos EUA e de outras forças ocidentais do Afeganistão. Ao operacionalizar voos especiais, facilitar as regras de asilo e libertar fundos, os países ocidentais transportaram milhares de afegãos afortunados para a segurança que os seus países lhes ofereceram, enquanto os Talibãs retomavam o controlo do país. Os que ficaram para trás foram afastados do resto do mundo: quer fossem ou não apoiantes dos Talibãs.

Os governos estrangeiros congelaram transações bancárias internacionais e o comércio com o Afeganistão, principalmente a pedido dos Estados Unidos, impondo uma vasta gama de regras anti-terrorismo estabelecidas ao longo dos últimos 20 anos. Como resultado, os salários no setor público afegão deixaram de poder ser pagos e a economia afundou-se. Muitos dos projetos de ajuda ao desenvolvimento, por mais essenciais que fossem, acabaram por ser paralisados ou cancelados.

Por isso, o início do inverno rigoroso afegão trouxe um aumento dos preços e a alimentação tornou-se cada vez mais escassa. Escolas, clínicas e hospitais em todo o país deixaram de funcionar. Assim, precisamente quando o povo afegão precisa de mais ajuda, está a ser-lhe negado até mesmo o básico, o que constitui um preço elevado a pagar apenas por se ser governado pelos Talibãs.

Os trabalhadores da ajuda humanitária internacional e as próprias comunidades afegãs estão a fazer o seu melhor para manter a assistência alimentar em operação, as clínicas a funcionar e as escolas abertas para rapazes e raparigas, mas os desafios são enormes. Os afegãos enfrentam agora a miséria e a fome a uma escala dramática.

Se o status quo se mantiver, quase todo o país estará numa situação de pobreza aguda no próximo ano. No final deste Inverno, cerca de 97% da população poderá ser demasiado pobre para sobreviver sem qualquer ajuda externa.

O resto do mundo e os países desenvolvidos, em particular, não devem simplesmente fechar os olhos e esquecer esta tragédia, porque para além de ser moralmente incorreto, a instabilidade resultante do colapso do Afeganistão será sentida muito para além das fronteiras do país. Muitos afegãos poderão decidir procurar um futuro melhor no estrangeiro, enquanto o desespero dos agricultores por rendimentos será um trunfo para a economia doméstica da droga.

Por conseguinte, as Nações Unidas e as agências internacionais de ajuda humanitária estão a lutar para angariar os fundos necessários para tirar o Afeganistão da beira do abismo, lidando com o facto de as sanções destinadas à liderança dos Talibãs terem tido um efeito contraproducente não intencional de dificultar a capacidade destas agências para angariar e gastar fundos (embora existam agora sinais positivos no sentido de remover estas restrições ineficientes).

É certo que é correcto defender a educação das raparigas afegãs. No entanto, como a analista afegã, Orzala Nemat, do Departamento de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres recentemente afirmou, não é correto reter a ajuda para os serviços básicos, tais como o acesso à alimentação, o fornecimento de água e a prestação de cuidados de saúde, que mantêm essas raparigas vivas.

© OCHA/Sayed Habib Bidell

Quer seja visto através dos olhos do povo afegão, que está em sofrimento, ou da perspectiva do interesse próprio dos políticos ocidentais, o colapso do Afeganistão é um pesadelo. A comunidade internacional tem de agir e há três coisas em particular que pode fazer sem recompensar os Talibãs.

Primeiro, o dinheiro deve ser disponibilizado. A ONU procurará angariar 4,5 mil milhões de dólares em 2022 para ajudar os mais vulneráveis no Afeganistão. Este plano é uma medida provisória para chegar a mais de 21 milhões de pessoas que necessitam de comida, abrigo, medicamentos e proteção. A comunidade internacional é capaz de em conjunto contribuir para se chegar a esse objetivo e uma conferência de doadores no início deste ano ajudará a focar as atenções nesta questão.

Além disso, o Conselho de Segurança da ONU adoptou recentemente uma resolução que isenta as actividades humanitárias do regime de sanções impostas a alguns membros talibãs. A medida fornece às instituições financeiras e aos agentes comerciais garantias legais de que não violarão as sanções existentes quando estabelecerem parcerias ou trabalharem com organizações humanitárias. Os governos e as instituições financeiras devem aproveitar ao máximo esta nova oportunidade: não pode haver mais desculpas.

Em segundo lugar, tem de haver mais flexibilidade na forma como o financiamento dos doadores pode ser utilizado. Por exemplo, o Banco Mundial detém um fundo fiduciário de 1,5 mil milhões de dólares para o Afeganistão e anunciou recentemente um acordo para transferir 280 milhões de dólares (alguns dos quais para o Fundo das Nações Unidas para a Infância, ou seja, a UNICEF) para fornecer cuidados de saúde e outros serviços dentro do Programa Alimentar Mundial. Todo este fundo deverá ser reprogramado para ajudar o povo afegão neste Inverno.

Também deveria ser possível utilizar o financiamento dos doadores para pagar os salários dos trabalhadores do setor público e para ajudar as instituições afegãs a prestar serviços básicos, tais como cuidados de saúde e educação, sem que isto seja encarado como uma recompensa para os Talibãs. Esse apoio a funções essenciais do Estado dará aos afegãos esperança no futuro e razão para permanecerem no seu país, enquanto que o atual esvaziamento do Estado, por outro lado, é uma receita para o sofrimento e a instabilidade.

Em terceiro lugar, a comunidade internacional precisa de melhorar a forma como se relaciona com o Afeganistão e o seu governo atual. Neste momento, o mundo está à espera que os Talibãs façam progressos relativamente a várias normas internacionais sem definirem claramente o que esperam do regime. No entanto, os Talibãs ou não estão inclinados a satisfazer estas expetativas ou simplesmente não compreendem quais são as intenções por detrás destes desejos de atores internacionais.

A abordagem atual é uma receita para o fracasso. É essencial que a comunidade internacional seja muito mais decisiva e específica nas suas exigências, bem como muito mais empenhada. Isto poderia traduzir-se no relaxamento ou levantamento de algumas sanções económicas, ou na reintrodução gradual da assistência ao desenvolvimento a longo prazo, em resposta ao progresso em questões de interesse internacional (incluindo os direitos das mulheres e das raparigas).

Estas medidas não devem ser consideradas meramente como atos de generosidade em resposta a um sofrimento horrendo. O mundo precisa de fornecer ao povo do Afeganistão o apoio de que necessita, porque as consequências catastróficas do fracasso da comunidade internacional sentir-se-ão por todo o lado.


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