Entrevista a Joana Lima Madureira – OMS

Estudou medicina e é uma apaixonada pelas políticas públicas globais de saúde. Depois de terminar o doutoramento em Oxford, Joana Lima Madureira começou a trabalhar para a Organização Mundial de Saúde (OMS) onde exerceu vários cargos nesta área. Já passou pela Rússia, Itália, Quirguistão e é desde Manila, nas Filipinas, onde se encontra atualmente, que partilhou um pouco do seu percurso e da sua experiência com a ONU Portugal, deixando também algumas dicas a quem um dia queira trabalhar nesta agência especializada do sistema das Nações Unidas.

 

ONU Portugal: Qual é o seu percurso académico e profissional até chegar ao sistema das Nações Unidas?


Joana Lima Madureira:
Eu sou médica, ou seja, formei-me em medicina pela Universidade de Barcelona, mas nunca exerci medicina. Durante o curso sempre tive muito interesse em saúde global porque a minha universidade tinha uma componente de saúde global muito forte, que sempre me inspirou muito. Passei 2 anos no Karolinska Institute, em Estocolmo, que também já na altura era bastante inovador porque tinha um currículo especializado em saúde global, que na altura para nós era muito inspirador, porque se debruçava sobre a promoção do bem-estar e tratar populações através de boas políticas públicas. Isto foi-nos incutido muito cedo no curso e, portanto, quando acabei fui diretamente fazer um mestrado em saúde global em Oxford, uma experiência também muito enriquecedora porque havia pessoas de 17 nacionalidades, com perspetivas de saúde global muito críticas, o que nos permitiu trocar experiências. Daí fui trabalhar para Bruxelas, para a European Public Health Alliance, que é basicamente uma organização que representa variadíssimas outras organizações europeias em saúde, desde nutrição até a associações profissionais de enfermeiros, de médicos, etc, e nós representávamos os interesses da saúde pública a nível europeu. Foi uma aprendizagem muito importante sobre os processos de políticas públicas em saúde, como se formulam e implementam. Na altura senti a necessidade de me especializar, já que não tinha feito uma especialidade clínica, por isso, voltei à Academia para fazer um doutoramento, também em Oxford, sobre determinantes comerciais de saúde. No final do doutoramento comecei a trabalhar para a OMS.

 

ONU Portugal: E como é que aconteceu essa entrada na Organização Mundial de Saúde?  

JLM: É interessante porque tinha a ver com a minha com a minha tese de doutoramento, ou seja, a investigação que eu estava a fazer na altura usava muitos dados da OMS e tinha muitas vezes de calibrar dados e usar metodologias que os colegas da OMS tinham desenvolvido, por isso, na altura surgiu uma vaga para um escritório de doenças não transmissíveis em Moscovo e comecei a trabalhar lá no Programa de Álcool e Drogas. Depois, passei lá uns meses, mas rapidamente transitei para outro escritório, desta vez em Veneza, que é um escritório que se foca exclusivamente na questão de determinantes sociais da saúde, que no fundo, acaba por estudar todos os fatores que estão fora do sistema de saúde, mas que também contribuem para a saúde das pessoas. Eu acho que é fácil pensar em exemplos como, por exemplo, o nível de educação, que influencia as escolhas na saúde.

Joana Lima Moreira e equipa visitam o município de Leyte, nas Filipinas, onde a OMS apoia o governo local no desenvolvimento de politicas de saúde e bem estar.

ONU Portugal: A questão do acesso é fundamental….

JLM: Este escritório da OMS dedica-se a questões específicas do investimento. No setor da saúde e da parte social à volta da saúde e dedicava-me sobretudo às questões das desigualdades sociais em saúde, portanto, nós sabemos que há um gradiente social em saúde, tanto na saúde das pessoas como com níveis de rendimento. Isto não se verifica só em Portugal, mas também em todo o mundo.

Na prática, analisávamos que políticas públicas funcionam e as que não funcionam e como se pode reduzir as desigualdades na saúde. Fiquei com muita vontade de aplicar este conhecimento mais técnico à realidade de um país e surgiu a oportunidade de trabalhar na Ásia Central e fui para o Quirguistão, um país fascinante, onde tive a oportunidade de trabalhar com uma proximidade muito grande com os ministérios, não só com o Ministério da Saúde, mas também com várias outras entidades, como a Academia e vários outros setores dentro da saúde.

ONU Portugal: E depois Manila, nas Filipinas…

JLM: Aqui é ligeiramente diferente, porque estou agora num escritório regional que cobre a área do Pacífico Ocidental, onde trabalhamos países como a Nova Zelândia ou Austrália, mas também o Camboja, o Vietname, a China e o Japão. Portanto, é uma área geográfica onde damos assistência técnica, mas é realmente muito vasta.

ONU Portugal: Para quem almeja um dia vir a trabalhar na Organização Mundial de Saúde, pode explicar um pouco como funcionam os processos? O que devem fazer para serem candidatos à Organização Mundial de Saúde?

JLM: Na posição que tenho atualmente tenho que selecionar algumas pessoas para estas posições. É muito importante que a pessoa tenha experiência no país de onde vem. Para mim um candidato que tenha muita experiência em lidar com o Ministério da Saúde do seu país é uma mais-valia. Porquê? Porque são frequentemente o nosso principal interlocutor nestes diálogos de assistência técnica, portanto, é muito importante ter na nossa equipa alguém que já esteve do outro lado. Às vezes há esta ideia de que é necessário ter muita experiência internacional. Sem dúvida, a experiência internacional é importante, quanto a mim é um dos critérios, mas o que valorizo é a experiência do indivíduo com o seu próprio governo.

Portanto, ter alguém na nossa equipa que conhece a OMS, que já esteve do outro lado e que sabe exatamente como devemos abordar a pessoa que está do outro lado do telefone, outra pessoa que está na reunião. Portanto, essa parte para mim é muito importante. Ou seja, a experiência internacional é, de facto, muito importante mas também é preciso ter em mente que para pessoas de certos contextos é muito difícil terem os recursos financeiros para ganhar experiência Internacional e, portanto, isso também é tido em consideração.

ONU Portugal: Orgulhosa de trabalhar para a Organização Mundial de Saúde?

JLM: Sim, sem dúvida. Nesta interação com os países, quando se trabalha com os colegas, que estão do outro lado e que recebem assistência percebe-se que juntos fazemos mais, portanto, a troca de experiências no fundo permite perceber se o que funciona num país pode funcionar noutro. É aqui que, por exemplo, tenho muito orgulho em fazer estas pontes entre países, sem dúvida nenhuma.


Direito Internacional e Justiça

Entre as maiores conquistas das Nações Unidas está o desenvolvimento de um corpo de leis internacionais, convenções e tratados que promovem o desenvolvimento económico...