Iémen: a maior crise humanitária do mundo

A ONU convocou um encontro de Alto Nível sobre a Crise Humanitária no Iémen – país que é atualmente palco para a maior crise humanitária do mundo. 82% da população necessita de ajuda urgente, 16 milhões de pessoas passarão fome este ano e 5 milhões arriscam-se a morrer à fome.

As Nações Unidas reúnem os Estados-membros com o objetivo de fixar compromissos de ajuda internacional para atender às urgências do país. Desde que a guerra civil eclodiu em 2014, a fome aguda, as chuvas torrenciais, as inundações, a crise de combustível, a praga de gafanhotos, a cólera e a Covid-19 devastaram o país. O financiamento insuficiente do Programa Mundial de Alimentos dificulta a assistência a milhões de iemenitas.

O conflito opõe rebeldes xiitas houtis, com predominância no Irão, às forças sunitas leais ao governo, apoiadas pela aliança internacional liderada pela Arábia Saudita, e deixou o Iémen numa situação de crise extrema. Os serviços públicos foram destruídos e o serviço nacional de saúde está em colapso. Conheça os contornos do conflito na República do Iémen.

Os primórdios do conflito

O conflito remonta ao fracasso da transição política após a Primavera Árabe, que forçou o antigo presidente do Iémen, Ali Abdullah Saleh, a entregar o poder ao seu vice-presidente, Abdrabbuh Mansour Hadi, em 2011. No entanto, as raízes do conflito remontam a um Iémen frágil, eclipsado pela linha invisível entre um noroeste xiita, de maioria houthi, e um sul de maioria sunita.

Os Houthis são um grupo rebelde de minoria zaidita (dissidência do xiismo) com predominância no norte do Iémen. O slogan do grupo é: “Deus é Grande, Morte à América, Morte a Israel, Maldição aos Judeus, Vitória ao Islão”

A Primavera Árabe expôs a fragilidade de um Estado liderado, desde 1990, por um único presidente: Ali Abdullah Saleh. O ressurgimento de rebeldes houthis no Norte do país deu-se no início dos anos 2000. Por essa altura, começava a fazer-se sentir a presença da Arábia Saudita no país, que apoiava a luta contra os radicais houthis.

A onda revolucionária evidenciou problemas antigos no Iémen e a vaga de protestos obrigou Saleh a renunciar ao poder, entregando-o ao vice-presidente Mansour Hadi. Esperava-se que a transição política, apoiada pelas monarquias árabes do Golfo, trouxesse estabilidade e crescimento ao Iémen – o país mais pobre da Península Arábica e que, antes da guerra, já importava 90% dos produtos alimentares – mas foi precisamente o contrário.

Destruição na SíriaACNUR / R. Gangale

Comprometido a voltar ao poder, o antigo presidente autoritário Saleh, aliou-se militarmente aos seus inimigos: os houthis. Em setembro de 2014, os houthis e Saleh avançaram sobre a capital do Iémen, Sana, para levar a cabo um golpe de estado. Com a vitória, Ali Abdullah Saleh proclamou-se como o novo presidente do Iémen.

O conflito ganhou novos contornos depois do assassinato de Saleh, acusado de traição pelos rebeldes houthis por dialogar com a Arábia Saudita

Infiéis a qualquer tipo de poder presidencial no país, os houthis tomaram a capital do Iémen com a cumplicidade de unidades militares. O conflito escalou drasticamente em março de 2015, quando a intervenção de uma aliança regional liderada pela Arábia Saudita, pelos Estados Unidos da América e pelos Emirados Árabes Unidos iniciou uma série de ataques aéreos contra os houthis, com o objetivo de restaurar o governo de Hadi e combater a presença de xiitas no país. De momento, a guerra no Iémen opõe as duas maiores potências regionais do Médio Oriente: a Arábia Saudita, de maioria sunita, e o Irão, de maioria xiita.

Números dramáticos

“Os civis não estão a morrer à fome no Iémen, estão a ser mortos à fome” – secretário-geral do Conselho de Refugiados Norueguês, Jan Egeland

 O Iémen está envolvido numa guerra civil, desde a ocupação da capital pelos rebeldes houthis, em 2015. O país enfrenta uma crise humanitária sem precedentes que envolve 80% da população.

Cerca de 20 milhões de pessoas no Iémen precisam de apoio humanitário. Mais de 16 milhões sofrem de insegurança alimentar e 5 milhões está em risco de morrer à fome, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).

As crianças iemenitas crescem em condições delicadas e sofrem com a escassez alimentar, assim como com o fraco acesso à educação que condiciona o seu futuro. 360 mil crianças com menos de 5 anos sofrem de malnutrição aguda e 30 mil morrem por falta de acesso a cuidados de saúde.

No total, 12 milhões de crianças necessitam de assistência humanitária urgente e 4,7 milhões precisam de assistência na esfera da educação

O acesso a água potável tornou-se um grande desafio e a falta de saneamento adequado aumentou o risco de doenças transmissíveis.

O Iémen arrisca-se a enfrentar “a maior fome do mundo em 100 anos”, alertou a coordenadora humanitária da ONU no Iémen, Lise Grande. Segundo a coordenadora, 13 milhões de civis podem morrer à fome se as forças lideradas pela coligação da Arábia Saudita não puserem fim aos bombardeamentos que assolam o país.

Os números são dramáticos. O Iémen não pode esperar.

As Nações Unidas estão envolvidas na luta em defesa da paz no Iémen.

“Estou solidário com os milhões de iemenitas que sofrem. As Nações Unidas e a comunidade internacional, em geral, estão com vocês a cada passo do vosso caminho. Inshallah (“se Deus quiser”), juntos podemos acabar com o sofrimento no Iémen”, disse o secretário-geral, António Guterres, em declarações na conferência de doadores para a crise no Iémen, realizada em Genebra, a 26 de fevereiro de 2019.

Malnutrição aguda e o aumento da insegurança alimentar

O atual conflito é a principal causa da insegurança alimentar no Iémen. A guerra destruiu meios de subsistência e reduziu a capacidade das famílias para comprar alimentos. Após o início da guerra, o preço médio dos alimentos subiu cerca de 150%. Em 2018, o preço dos combustíveis subiu 200% afetando gravemente os setores da agricultura, o abastecimento de água, os transportes, a eletricidade, a saúde e o saneamento básico.

A segurança alimentar deteriorou-se com a ocupação dos houthis da capital do Iémen, em 2015. 16 milhões de iemenitas sofrem de insegurança alimentar. O OCHA alerta que cerca de metade da população do Iémen (14 milhões de pessoas) enfrenta atualmente “condições de pré-fome”.

Estima-se que 7,4 milhões de pessoas necessitam de serviços para tratar e prevenir a desnutrição. Desses, 2 milhões são crianças com menos de 5 anos e 1 milhão são mulheres grávidas ou em fase de amamentação. Cinco divisões administrativas do Iémen têm taxas de desnutrição aguda que excedem o limite de emergência de 15% definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os parceiros humanitários das Nações Unidas estimam que a desnutrição aguda entre mulheres grávidas e crianças com menos de 5 anos aumente.

Crise no Iémen

Falta de acesso à água, às condições de higiene e ao saneamento básico

Mais da metade da população do Iémen precisa de assistência para aceder a água potável. A subida dos preços e a redução do poder de compra criaram barreiras económicas no acesso a este recurso fundamental. A falta de acesso ao saneamento básico agrava o risco da propagação de cólera e da covid-19.

O Iémen tem sido palco para graves violações de direitos humanos e ataques bárbaros, quer levados a cabo pela coligação regional da Arábia Saudita, quer pelos rebeldes houthis a civis.

Cuidados de saúde em suspenso

Cerca de 19,7 milhões de pessoas carecem de cuidados de saúde no Iémen, dos quais 14 milhões necessitam de auxílio urgente. A falta de acesso aos serviços de saúde afeta os grupos mais vulneráveis: crianças, mulheres, idosos, deslocados e pessoas marginalizadas.

No Iémen, existem dez trabalhadores de saúde por cada 10 mil pessoas – menos de metade do valor mínimo definido pela OMS de 1 médico por mil habitantes 

A maioria dos equipamentos médicos nos hospitais nacionais não funciona ou está obsoleta e muitos profissionais de saúde não recebem salários há vários anos.

“As doenças que têm cura transformam-se em sentenças de morte quando os cuidados de saúde estão suspensos”, – secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, 2019

Aproximadamente 6,7 milhões de pessoas precisam de abrigo e de utensílios domésticos essenciais. Estima-se que 4,3 milhões de pessoas tenham fugido de casa em busca de proteção e segurança. 3,3 milhões mantêm-se deslocados e cerca de um milhão regressou à sua terra para encontrar as suas casas destruídas.

Crianças sem acesso à educação

Cerca de dois milhões de crianças não frequentam a escola: 36% são meninas e 24% são meninos. O acesso à escola é limitado como consequência dos danos causados pelo conflito, mas também devido à ocupação dos espaços letivos por grupos armados ou nacionais deslocados. Em 2017, 2,3 milhões de crianças necessitavam de assistência na esfera da educação. Em 2019, este número já estava nos 4,7 milhões.

“Estas são crianças da escola. Estão ansiosas por aprender. Estão à espera numa fila às 8h”, conta Amina, de 14 anos, no campo de refugiados de Kharaz, no Iémen. ACNUR

Conflito no Irão

Uma crise económica profunda

O conflito prolongado destruiu os meios de subsistência e reduziu a capacidade das famílias para comprar alimentos e outros bens essenciais básicos. A economia do Iémen contraiu 50% desde a escalada do conflito e as oportunidades de emprego diminuíram significativamente. A volatilidade da taxa de câmbio, incluindo a depreciação drástica do Rial do Iémen (YER) entre agosto e outubro de 2018, que afundou o poder de compra das famílias.  O défice do orçamento público prejudicou o funcionamento dos serviços sociais básicos e o pagamento dos salários no setor público. Como resultado, o acesso aos serviços essenciais – água, saneamento, saúde, educação e agricultura – restringiu-se ainda mais.

Sem ação urgente, a situação vai piorar

Juntamente com os seus parceiros, as Nações Unidas continuam a ampliar a resposta humanitária, apesar das graves restrições de acesso em muitas das regiões do Iémen.

Sem a tomada de ações urgentes – tal como o financiamento integral do Plano de Resposta Humanitária e a tomada de medidas por parte dos Estados envolvidos para acabar com a guerra e para facilitar a entrada de alimentos no país – a crise piorará, alerta o OCHA

É absolutamente necessário que as partes em conflito respeitem o Direito Internacional Humanitário, permitindo a importação de alimentos e serviços médicos para o Iémen e garantindo a livre circulação de agentes humanitários para alcançar aqueles que mais precisam de ajuda.

Refugiados no Iémen

O papel da ONU no Iémen

Desde a eclosão do conflito, as Nações Unidas desempenharam dois papéis fundamentais no Iémen. Em primeiro lugar, através do Programa Mundial de Alimentos (PMA) e da UNICEF, que têm proporcionando uma ajuda indispensável às populações e cujo esforço ajudou a aliviar a situação humanitária no país.

Em segundo lugar, a ONU desempenhou um papel político, servindo como intermediário na resolução do conflito iemenita. No final de 2018, a ONU conseguiu reunir as partes interessadas e assinar o “Acordo de Estocolmo” que exigia, entre outras coisas, a cessação das hostilidades em torno de Hodeida – quarta maior cidade do Iémen, com uma população de 400 mil pessoas.

Em janeiro de 2019, o Conselho de Segurança das Nações Unidas atingiu um marco ao aprovar uma nova missão no país. A missão destina-se a supervisionar e ajudar a implementar um acordo de cessar-fogo com o potencial de estabelecer as bases para um acordo político mais amplo, que crie condições para pôr fim ao conflito em curso. Este foi o primeiro grande avanço diplomático e político significativo, em quase quatro anos de guerra, e demonstra o papel que as Nações Unidas podem desempenhar na redução do peso do conflito nas populações civis.

Em 2021, na Conferência de Alto Nível sobre a crise no país, o objetivo é mobilizar toda a ajuda internacional para acudir ao Iémen, onde a fome, o conflito, os desastres climáticos, os surtos de cólera e a pandemia de Covid-19 obrigam a uma resposta urgente.

Nas palavras do secretário-geral da ONU António Guterres, “O Iémen não pode esperar”

Fontes:

https://www.unocha.org/yemen/crisis-overview
http://www.emro.who.int/health-topics/cholera-outbreak/cholera-outbreaks.html
https://www.undispatch.com/a-breakthrough-for-the-united-nations-in-yemen/


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