Viver sem Pátria: a Perseguição aos Rohingya

A 23 de janeiro de 2020, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sediado em Haia, nos Países Baixos, ordenou o Myanmar a tomar medidas de emergência para prevenir o genocídio da minoria rohingya. Numa decisão unânime, o TIJ afirmava que o Myanmar “causou danos irreparáveis aos direitos dos rohingya”. Fique a conhecer, com a ONU Portugal, esta minoria étnica e a perseguição implacável que sofrem por parte do exército do Myanmar.

O êxodo de 2017

Até 2017, o Myanmar era o país com a maior comunidade de rohingya no mundo, com 1.3 milhões de indivíduos. Apesar da forte presença desta minoria étnica muçulmana, o Myanmar não lhe reconhecia o direito pleno de cidadania.

Tidos como “imigrantes ilegais” num país maioritariamente budista, os rohingya eram alvo constante de perseguições.

Em agosto de 2017, o grupo de militantes denominado “Exército de Salvação Arakan Rohingya” ripostou, levando a cabo uma série de ataques a bases policiais e militares no estado de Rakhine, no Myanmar. 70 pessoas perderam a vida, incluindo 12 oficiais das forças de segurança birmanesas. A resposta dos militares sobre a população Rohingya não se fez esperar.

Nas primeiras semanas depois do ataque, deu-se o maior êxodo de rohingya de sempre, com a Organização Internacional das Migrações (OIM) a registar a entrada de 712 mil pessoas desta minoria no Bangladesh. Aqueles que ficaram para trás foram alvo de violência indiscriminada por parte dos militares, que mataram mais de 6.700 pessoas no primeiro mês a seguir aos ataques, 730 das quais eram crianças com menos de 5 anos.

Barco de migrantes rohingya desembarca em Cox Bazar, no Bangladesh. Créditos: UNICEF / Brown
Barco de migrantes rohingya desembarca em Cox Bazar, no Bangladesh, depois de atravessar a Baía de Bengala, vindos do Myanmar. Créditos: UNICEF / Brown

A violência indiscriminada, os relatos de abusos sexuais e a destruição parcial ou total de 354 aldeias Rohingya mereceram a condenação das várias instâncias internacionais, incluindo do alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, que descreveu a situação no estado de Rakhine como “um caso evidente de limpeza étnica”.

Apesar da reprovação internacional, o governo do Myanmar e a Conselheira de Estado Aung San Suu Kyi, que recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1991 pelo seu ativismo em prol dos direitos humanos, têm menosprezado o conflito, afirmando que os relatos de violência contra os rohingya foram exagerados.

Emergência Humanitária

A violência em Rakhine, no Myanmar, criou uma crise humanitária no país vizinho, Bangladesh, predominantemente muçulmano. A agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) estima que cerca de 915 mil pessoas vivam hoje em campos de refugiados no Bangladesh, 695 mil das quais sofrem de insegurança alimentar extrema.

Um mercado no campo de Balukhali, em Cox Bazar, no Bangladesh. Créditos: ONU Mulheres / Allison Joyce
Um mercado no campo de Balukhali, em Cox Bazar, no Bangladesh. Créditos: ONU Mulheres / Allison Joyce

A região de Cox Bazar é a mais afetada, que abriga hoje mais de 745 mil rohingya, incluindo 400 mil crianças. Nesta região existem 34 campos de refugiados densamente povoados, incluindo o maior campo de refugiados do mundo, o Kutupalong-Balukhali Expansion Site.

Em Cox Bazar, são necessários 16 milhões de litros de água potável por dia, 12.200 toneladas de alimentos por mês e 5 mil salas de aula para garantir educação a todas as crianças.

“É impossível visitar estes campos sem ficarmos com o coração partido com o sofrimento do povo rohingya. Ouvir as histórias terríveis de violência extrema – dos assassinatos, de violações, de tortura, de casas e aldeias incendiadas – é, possivelmente, uma das mais trágicas histórias sobre violação sistemática dos direitos humanos” (secretário-geral da ONU, António Guterres).

Resposta da ONU

A ONU, através das suas agências, tem acompanhado de perto a situação. Nas primeiras semanas após a vaga de refugiados, em agosto de 2017, o ACNUR entregou 1.500 toneladas de kits de emergência ao Bangladesh, que incluíam cobertores, sacos-cama, conjuntos de cozinha e outros utensílios. Juntamente com o governo bengali e outras organizações não-governamentais (ONGs), o ACNUR está a criar novos locais que possam acolher de forma segura os refugiados, tendo já construído 32 km de estradas e caminhos de tijolo e 91 km de linhas de drenagem, essenciais para proteger a população na época das monções.

Para além da melhoria das condições de habitabilidade, as agências da ONU focam-se também noutras áreas de intervenção. O Programa Alimentar Mundial (PAM) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) prestam auxílio alimentar aos refugiados.

Enquanto a FAO foca a sua ação em Cox Bazar, onde alcança 395 mil pessoas, o PAM providencia assistência alimentar alargada a 866 mil pessoas, no Bangladesh, e fornece assistência nutricional a 200 mil pessoas vulneráveis em Rakhine, no Myanmar.

O objetivo da FAO no terreno expande-se para além da ajuda alimentar, abrangendo áreas como a proteção ambiental. No Bangladesh, como consequência do estabelecimento inesperado de uma grande população de refugiados, foram destruídos 8 mil hectares de florestas. Em 2019, a FAO regenerou uma área de 571 hectares através da reflorestação de meio milhão de árvores em terrenos circundantes a Cox Bazar.

A UNICEF e a esperança num futuro melhor

Presente no terreno desde 2017, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) trabalha para aumentar a cobertura escolar nos campos de refugiados e a sobrevivência das gerações mais novas. Em 2019, a UNICEF garantiu a distribuição de vitamina A a mais de 190 mil crianças com menos de 5 anos e a vacinação de 73 mil crianças.

Criança recupera de má nutrição aguda ao colo da mãe, em Cox Bazar, no Bangladesh. Créditos: Knowles-Coursin
Uma criança de 10 meses recupera de desnutrição aguda severa ao colo da mãe, em Cox Bazar, no Bangladesh. Créditos: Knowles-Coursin

Ao nível do apoio escolar, a UNICEF concentra os seus esforços nas crianças dos 4 aos 14 anos, assegurando a educação a 213 mil crianças rohingya. Recentemente, esta agência tem também desenvolvido projetos de cooperação com o governo do Bangladesh, conseguindo a admissão de 10 mil crianças Rohingya em escolas bengali. O trabalho das várias agências da ONU no terreno é clara e sinteticamente descrito por Henrietta Fore, Diretora-executiva da UNICEF:

“Apesar das dificuldades extremas, trabalhamos incansavelmente para manter as esperanças e sonhos das crianças vivos”.

ONU News